Um tribunal da Namíbia acaba de dar uma lição de lisura eleitoral à SADC, sobretudo aos países como Angola Moçambique, cujas eleições têm sido maculadas por fraudes massivas. Num gesto pouco comum em África, o tribunal autorizou que dois partidos da oposição tenham acesso aos dados eleitorais
Ilídio Manuel*
A Namíbia, um país que ascendeu a independência em 1990, provou por que razão é considerada um dos poucos Estados da região da SADC que promove eleições livres, justas, transparentes e exemplares.
Ao contrário do que acontece na maioria dos 16 países que compõem esta organização regional, um tribunal namibiano decidiu na última sexta-feira, 13, aceitar um pedido da Oposição que solicitou uma recontagem dos votos, depois de esta ter contestado os resultados das últimas eleições de 30 de Novembro.
A decisão do tribunal determina que a autoridade eleitoral nacional [a CNE local] deve permitir que os representantes do Independent Patriots for Change (IPC), vertido para português, os Patriotas Independentes pela Mudança e do Movimento dos Povos Sem Terra tenham acesso à (re)contagem dos votos durante dois dias, na presença da polícia e de funcionários eleitorais.
O IPC, principal partido da oposição, alegou que pretende ter acesso à contagem dos votos expressos e contados durante a eleição inicialmente prevista para 27 de Novembro, mas que acabou de ser adiada para 30 de Novembro após uma série de problemas logísticos e técnicos.
Em declarações à AFP, o porta-voz do IPC, Imms Nashinge, revelou que “a ordem concedida [pelo tribunal] destina-se a permitir que o IPC verifique a documentação necessária com vista a apresentar o pedido principal em 23 de Dezembro de 2024”.
A Secretária-Geral do IPC, Christine Aochamus, assegurou, por sua vez, que a sua organização apresentará nesse dia o “processo principal sobre as eleições de 27 de Novembro, que foram posteriormente prorrogadas”.
As eleições presidenciais e legislativas de 27 de Novembro tiveram de ser prolongadas duas vezes devido a problemas logísticos e técnicos, incluindo a falta de boletins de voto. No primeiro dia de votação, as filas intermináveis obrigaram alguns eleitores a desistir depois de terem esperado até 12 horas.
O IPC que, de acordo com as autoridades eleitorais, ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais com 25,5% dos votos, alegou que se tratava de uma tentativa deliberada de suprimir os boletins de voto, frustrando os eleitores.
O principal partido da oposição já tinha feito saber que não reconheceria os resultados e que iria apresentar documentos ao Supremo Tribunal solicitando o acesso à contagem dos boletins de voto.
A 3 de Dezembro, a comissão eleitoral declarou Netumbo Nandi-Ndaitwah, 72 anos, do partido no poder, vencedor da primeira volta com 57,31% dos votos.
É a primeira mulher a ser eleita presidente neste país de três milhões de habitantes em que a SWAPO tem sido um eterno vencedor. Este partido “histórico” que conduziu o povo namibiano à independência por via da luta armada tem vindo a perder paulatinamente o poder à conta das eleições locais.

Em Angola e Moçambique, de fraude em fraude
A Namíbia, a par da vizinha África do Sul, o Botswana, as Maurícias e Seychelles, tem feito a diferença em matéria eleitoral e no que diz respeito à independência dos tribunais no seio da SADC.
Ao contrário do tribunal namibiano, o Tribunal Constitucional angolano, que se veste de eleitoral, tem abortado à nascença os protestos da Oposição na ressaca das eleições, normalmente marcados por graves irregularidades.
Um dos casos mais caricatos ocorreu após as eleições de 2017, quando o Tribunal Constitucional acusou a UNITA e o PRS de fraude, mais concretamente de falsificação de actas eleitorais, tendo prometido levar os dois partidos “ fraudulentos” à barra da justiça.
Ironicamente, os dois partidos foram ao Tribunal Constitucional na condição de queixosos e saíram de lá na pele de acusados. Apesar de se tratar de um crime público nunca foram julgados.
Questionado sobre o assunto, o activista cívico Luaty Beirão considera o gesto do tribunal namibiano “sensato e indicador de, pelo menos, existir uma separação dos poderes, de isenção e, sobretudo, da compreensão da enorme necessidade de um processo eleitoral não dever deixar qualquer espaço para dúvida”.
Para o ex-membro do célebre processo “15+2”, a aceitação da recontagem de votos vai permitir aos queixosos fazer a comparação das actas em posse da CNE daquele país, e o “público ficará com a ideia que não existe nada a esconder, o que transmite uma certa tranquilidade”.
O activista não acredita que o exemplo de lisura eleitoral da Namíbia seja replicado em Angola ou Moçambique. Este último país está mergulhado numa profunda crise eleitoral, das mais violentas de que se tem memória.
Questionado sobre o facto de a SWAPO ser um eterno vencedor nas eleições naquele país, Luaty Beirão disse que isso reflecte a vontade do povo namibiano que tem depositado a sua confiança nessa formação política.
“Se os namibianos assim optam, quem sou eu para opinar? A minha ideia de democracia saudável é quando existem suficientes forças vivas para se fiscalizarem mutuamente e haver trocas regulares de dirigentes, sem grupos hegemónicos. Nunca ouvi nada relacionado com a SWAPO de pretender sufocar ou impedir a ascensão de forças alternativas”.
O entrevistado do NJ vai mais longe, destacando a importância das eleições autárquicas, que têm decorrido regularmente naquele país.
“Quanto às eleições autárquicas elas serão sempre fundamentais para a fragmentação do poder e para que, a nível local, essas outras forças tenham experiências-piloto de governação que, sendo bem-sucedidas, poderão servir de exemplo para outras, no ciclo seguinte. Porém, na Namíbia, essas eleições chegam a registar abstenção acima de 60%, o que não deixa assim a melhor das impressões”, diz, a finalizar.
O NJ tentou, sem sucesso, ouvir a opinião do líder da bancada parlamentar da UNITA. Liberty Chiaca não respondeu ao questionário que lhe havia sido enviado nem atendeu às chamadas feitas para o seu telemóvel.
Fonte: NJ