Em Moçambique, contam-se votos e esperam-se resultados em 15 dias. Os apuramentos parciais nas mesas de voto, ao longo da noite, começam a desenhar tendências e dois nomes sobressaem: Venâncio Mondlane, candidato apoiado pelo Podemos, e Daniel Chapo, candidato presidencial da Frelimo, partido no poder.
O cientista político Justino Quina, explica que estes são “dois candidatos que vieram alterar a leitura que se tinha da política moçambicana” e, em função disso, aponta, ainda, uma possível “reconfiguração do Parlamento”.
RFI: Como é que correu o dia eleitoral?
Justino Quina, cientista político: Foi um dia tranquilo, quando se compara com processos eleitorais anteriores. Nós temos tido eleições muito turbulentas, com muita agitação, mas comparativamente com a eleição que ocorreu ontem, nós tivemos um ambiente tranquilo praticamente em todas regiões do país. Não tivemos registo de tumultos, registos de arbitrariedades… Por exemplo, em eleições anteriores, nós tivemos detenções. Tivemos, por exemplo, eleitores que abrigavam-se nas urnas. Significa que há uma consciência pela parte dos próprios eleitores, de que nada adianta que nós continuemos a ter processos turbulentos. Parece-me também que o próprio processo de educação cívica serviu muito para que esses eleitores compreendessem que é preciso uma mudança de abordagem. Houve alguns incidentes, algumas irregularidades, mas todas elas, no seu conjunto, não podem invalidar ou não podem colocar em causa, de forma geral, aquele ambiente saudável e tranquilo que se verificou ontem.
Já se começa a desenhar alguma tendência a partir do apuramento parcial nas mesas de voto desta noite?
Há já uma tendência, embora sejam dados parciais. Os dados que nos estão a dar a conhecer pelos órgãos oficiais mostram uma clara vantagem do candidato do partido Frelimo, Daniel Francisco Chapo, que está em frente neste processo de votação.
Taco a taco com Venâncio Mondlane…
Sim, seguido pelo candidato independente Venâncio Mondlane, que tem o suporte do partido Podemos.Nas legislativas acontece um cenário semelhante: o partido Frelimo também está em vantagem, mas também está a ser seguido pelo partido Podemos.
Esta tendência é em todo o território ou mais nos centros urbanos?
Primeiro, os dados revelavam que eram nos centros urbanos, mas, até esta manhã, mostra que, mesmo assim, nas zonas rurais a tendência lá permanece. Note que, por exemplo, em círculos eleitorais em que tradicionalmente o partido Frelimo tem disputado a eleição com o maior partido da oposição, que é a Renamo, temos o Podemos agora que está praticamente nesses locais a disputar com o partido Frelimo e a roubar votos à Renamo.
E depois há outra leitura – embora sejam dados preliminares – que se pode avançar. É que, provavelmente, da maneira como os dados estão a ser avançados, pode-se avançar uma hipótese de o candidato independente Venâncio Mondlane estar a roubar votos da oposição e não necessariamente os votos do partido Frelimo porque, se fosse o contrário, teríamos o próprio candidato independente à frente quando se compara com o candidato do partido Frelimo. Mas o que se nota é que o candidato da Frelimo é que está em vantagem e é seguido pelo candidato independente Venâncio Mondlane de forma rápida. O que se pode avançar é que provavelmente os eleitores que estão a ser captados pelo Venâncio Mondlane, mas também pelo partido que o suporta, podem estar a ser roubados dos partidos tradicionais da oposição, nomeadamente a Renamo e o MDM.

Não será antes uma forma de os eleitores concentrarem os votos num candidato da oposição para ter mais peso frente à Frelimo?
Naturalmente, não se pode negar essa hipótese ou essa probabilidade. Os dados que estão a ser avançados neste momento dão esta certa indicação. Se nós formos a olhar para o nosso contexto político, ele foi maioritariamente marcado por um poder, por uma dominação de partidos beligerantes, como é o caso dos partidos Frelimo e Renamo. E se nós formos a ver o que está a acontecer nesta eleição – embora, repito, sejam dados preliminares – demonstra uma erosão do partido Renamo, uma erosão que nunca tivemos ao longo do tempo. Sempre tivemos como resultados eleitorais a Frelimo em frente, seguida pelo partido Renamo, mas os resultados que estão a mostrar neste momento, ainda preliminares, mostram que o partido Frelimo está em disputa com o Podemos.
Taco a taco…
Taco a taco sim.
Isso significa o quê? Que poderia haver uma segunda volta nas presidenciais?
Não necessariamente. Os dados são preliminares, mas tenho dúvidas que se possa aventar a possibilidade de segunda volta, olhando para a própria dimensão do país. O que sucede é que o partido Frelimo tem um eleitorado que não é muito saliente sob o ponto de vista de processos de escolhas. Quando se compara com os outros partidos da oposição já há essa saliência.
Vou-lhe dar alguns exemplos práticos. Nós já tivemos momentos em que, por exemplo, o partido Renamo, quando não participou da eleição, os eleitores do partido Renamo, tendencialmente foram dar o voto ao MDM, que é outro partido da oposição. Então, a saliência nos partidos moçambicanos, sobretudo os tradicionais, tende a acontecer mais nos partidos da oposição, comparativamente com o partido no poder. Por isso é que eu posso ter algum receio em avançar rapidamente uma possibilidade de uma segunda volta. Mas os dados são preliminares. A maneira como os dados estão a ser lançados, mostra que, de facto, o candidato independente Venâncio Mondlane está a avançar, está a ter muita votação, mas precisamos também de ter elementos precisos quando formos escrutinar os resultados que aparecem nas zonas rurais.
Note que o candidato Venâncio Mondlane é um candidato mediático, é um candidato que teve uma grande repercussão por causa da sua própria aparição nas redes sociais. E nós estamos num país em que a componente digital ainda não está muito enquadrada em todo o território nacional. Quando ele já faz a sua digressão na campanha eleitoral é quando se fez mais conhecer. Provavelmente esses resultados que aparecem de zonas rurais a votarem no Venâncio Mondlane não significa necessariamente o efeito das redes sociais, mas podem significar o facto de ele ter feito esta digressão pelo país, se fazer conhecer e apresentar propostas concretas para a governação.
O partido Frelimo é um partido enraizado no território nacional, é um partido que tem a sua representatividade em todo o território nacional. Quando os resultados beneficiam o partido Frelimo nessas zonas, não é uma novidade para quem conhece o processo moçambicano porque é um partido que está lá em todo o território nacional.
Qual o cenário mais plausível em termos das eleições presidenciais e também das legislativas?
Neste momento, se os dados não tiverem alguma alteração, o que se pode esperar para o Parlamento é um partido Frelimo com mais mandatos, mas nós já teremos uma reconfiguração do próprio Parlamento. Provavelmente nós podemos ter um Podemos – um “outsider” no nosso cenário político moçambicano – no Parlamento e podemos também aqui ter a possibilidade de erosão dos mandatos de partidos como Renamo e como o MDM.
No caso do MDM, até tenho dúvidas que possa ter representatividade alargada. Note que o MDM está com seis assentos no Parlamento. Tenho receios se esses seis mandatos conseguem ser mantidos. A Renamo hoje está com 80 assentos, também tenho receios que possa passar dos 50.
Quer dizer, são cenários que estamos a projectar em função dos resultados preliminares que nós estamos a ter. Significa que nós vamos ter uma reconfiguração pela primeira vez do Parlamento, em que nós temos aquilo que aconteceu em 1994, em que nós tivemos a União Democrática que era um partido sem muita expressão em que também pela primeira vez se fez representar com 9 mandatos. Podemos ter agora o “Podemos” –passo a redundância – com mais representatividade no Parlamento, comparativamente com partidos tradicionais da oposição.
Concretamente, como seria essa reconfiguração?
Nós podemos aqui projetar uma provável dificuldade da Renamo de se manter como a maior força política da oposição se, nos próximos tempos, não fizer um estudo profundo sobre a exigência do eleitorado. Parece-me que que depois destas eleições, a Renamo e outros partidos da oposição, como o MDM, devem fazer uma reflexão profunda, compreender que os cenários estão a mudar porque, caso contrário, poderão ter dificuldade nos próximos tempos, em se manter como grandes partidos.
E o cenário para as eleições presidenciais?
Em termos das presidenciais, nós vamos ter uma luta ferrenha até terminar o processo. Nós não temos uma realidade em que aquele que ganha tenha que, por exemplo, coabitar com outro que está em segundo lugar no nosso contexto. O nosso contexto é que aquele que tem mais votos, 50% mais um, é aquele que vai ser eleito. Tenho dúvidas e receios, mas são receios mesmo que Venâncio Mondlane possa levar Daniel Chapo à segunda volta – olhando para os resultados que nós estamos a ter neste momento.
Porque fala em receios? Venâncio Mondlane falou em fraude ontem, falou em vários ilícitos e disse que se juntaria à população se a população se revoltasse, como outros candidatos o fizeram. O que teme exactamente?
Não, quando eu digo receio, não é nesse sentido. Vou-lhe dar dados práticos que estão a acontecer agora nesta eleição. Note que, em eleições anteriores, nós tivemos uma situação em que o povo do partido Frelimo teve dificuldades nas eleições autárquicas na cidade de Maputo, mas para esta eleição o partido Frelimo praticamente altera o cenário, provavelmente por causa da própria união que se criou dentro do próprio partido Frelimo em torno do candidato. Isto pode ter beneficiado o próprio candidato a ter os resultados que tem. Mas também a origem do próprio candidato, a maneira como foi eleito, a sua humildade, a maneira como se expressou, a maneira como ele fez a sua campanha, a maneira como ele vendeu a imagem, isso pode ter beneficiado com que a maior franja da sociedade, incluindo os jovens, possam também ter dado o seu voto.
Temos dois candidatos, Daniel Francisco Chapo e Venâncio Mondlane, que praticamente ganharam a simpatia dos eleitores. Esta realidade é que pode fazer com que, por conta do apoio que o Chapo tem da sua máquina partidária, que é o partido Frelimo, o possa o levar à Presidência da República.
Mas também podemos aqui ter uma situação em que Venâncio Mondlane não fique atrás, mas é-me difícil assegurar que ele possa levar esta eleição à segunda volta porque o nosso território é muito vasto. Venâncio Mondlane para poder ganhar esta eleição precisaria ainda de mais tempo, o que não teve. É um candidato que não pode ser menosprezado, que deve ser visto, no futuro, como alguém que pode dar muito à política. Quando digo dar muito à política é no sentido de que ele já mostrou, de forma categórica, que há simpatia nele pela parte dos eleitores, mas o mesmo também se está a verificar pela parte do candidato do partido Frelimo. Eles deram muito mais de si quando se compara com os partidos que o apoiam. São dois candidatos que vieram alterar a leitura que se tinha antes da nossa política moçambicana.
Em termos do calendário eleitoral. Agora, como é que vai ser e quando é que temos resultados?
Há etapas que devem ser seguidas. Agora, segue o apuramento intermédio. Depois, ele passa para o nível provincial, depois eleva para o nível central. São quase 15 dias em que decorre todo este processo e depois são divulgados os resultados.