Quando o número de CAP´s supera o das escolas a qualidade do ensino é sofrível – Ilídio Manuel

O recente encontro entre o presidente do MPLA com os representantes dos Comités de Acção do Partido, vulgo CAP´s, trouxe à superfície um dado bastante revelador e preocupante: existem em Angola mais estruturas do partido governante do que escolas do ensino público.

Dados avançados pelo partido no poder apontam no sentido de que existem em Angola 60 mil CAP´s contra 12 mil estabelecimentos do ensino público, nos seus mais diversos níveis, o que não deixa de ser escandaloso, para não dizer caricato, em quase 50 anos de independência.

Dito de outro modo, há cinco vezes mais CAP´s do que escolas. Ou seja, uma média de 5 instituições do partido para cada estabelecimento de ensino.

Ainda que os números possam parecer empolados na perspectiva de impressionar a opinião pública e criar uma falsa imagem de grandeza, o facto é que há mais CAP´s do que estabelecimentos do ensino no País.

Por mais que o MPLA negue ou pretenda separar as águas, são cada vez evidentes os sinais e as práticas que nos levam a concluir que o partido se confunde em distintas ocasiões com o Estado, não existindo uma fronteira nítida entre um e outro.

Angola, apesar de ser potencialmente rica, tem estado a investir pouco em matéria de educação e ensino, privilegiando-se a fidelidade partidária e a consequente manutenção no poder, por via da proliferação de CAP´s em tudo quanto é canto.

A discrepância de dados pode levar-nos a concluir que o partido/Estado estará a conferir mais importância à sua manutenção no poder do que aumentar o número de escolas nos vários pontos do País, onde milhões de crianças ficam todos os anos fora do sistema de ensino por falta de salas de aula.

Custa aceitar que quase de meio século depois de os colonos terem sido forçados a abandonar o País e em 22 anos de paz efectiva, milhares de crianças continuam a estudar em condições precárias e, no pior dos cenários, debaixo de árvores ou ao relento.

Se a isso juntarmos a baixa qualidade do ensino que é ministrada nas escolas do País, tanto no ensino público e no privado, salvo raras e honrosas excepções, há motivos para dizer que o País continua adiado.

Não estando o País em guerra, há mais de duas décadas, é inconcebível que uma boa fatia do OGE esteja a ser absorvida pelos órgãos de Defesa e Segurança em detrimento do sector social.

Angola, que disponibiliza menos de 8% do OGE para a educação, deveria sentir-se envergonhada diante do Senegal, um país que investe anualmente 26% do seu orçamento no mesmo sector.

Ao contrário de Angola, que é um país com enormes riquezas no seu solo e subsolo, o Senegal tem a sua riqueza assente nas pescas, amendoim e fosfatos.

Este país da África Ocidental, não só investe “forte e feio” na Educação, como também dispõe de uma excelente qualidade de ensino, que segue o modelo francês.

Se para as autoridades angolanas, a nossa maior riqueza do País está nos petróleos e diamantes, para as senegalesas ela incide, fundamentalmente, na formação do homem, afinal, o elemento mais importante no desenvolvimento das forças produtivas.

Mais do que aumentar a quantidade de docentes todos os anos, Angola deve apostar também na abolição da Reforma Educativa, que tem vindo a revelar-se um autêntico fiasco para o País, já que a mesma foi, segundo vários críticos, concebida numa perspectiva eleitoralista, no âmbito do “estamos sempre a subir”.

Durante décadas, o Executivo tem vindo a gabar-se, sobretudo em vésperas das disputas eleitorais de ter promovido um enorme crescimento no domínio da educação, com a construção de novas escolas, institutos médios, superiores e universidades. Se é certo que houve um incremento em termos quantitativos, não é menos verdade que a qualidade do nosso ensino tem deixado muito a desejar, devido, sobretudo à inversão da pirâmide.

O ensino de base, que deveria ser prioritário, foi relegado para patamares inferiores, daí os alunos chegarem ao ensino superior com uma amálgama de insuficiências e “deficiências de fabrico”.

A emergência de várias instituições do ensino superior, sobretudo no ensino privado não pode ser dissociada da “doutoromania”, um fenómeno que consiste numa corrida desenfreada aos “canudos”.

O jornalista Ilídio Manuel é colunista do Novo Jornal com o espaço semanal “No Topo da Colina”. (DR)

Hoje temos “doutores” para todos os gostos e feitios, de formação académica duvidosa, que enfermam de uma série de debilidades e limitações sendo bastante visíveis os erros ortográficos ou/e de sintaxe, quando chamados a redigir um simples texto ou uma carta.

Os erros não se ficam pelos documentos que assinam, com pompa e circunstância, que são afixados nas vitrinas das instituições do Estado, mas também aos Diários da República, que deveriam ser o espelho do domínio da língua oficial por parte dos órgãos da administração central do Estado.

As nossas televisões e rádios têm servido de palcos para os nossos “doutores”, do alto das suas cátedras, exibirem os seus “canudos” e as suas vaidades nem consentâneas com os títulos académicos.

É inegável que uma das causas do fiasco do nosso ensino tem a ver com a qualidade dos professores, visto que os melhores quadros migraram para outros sectores em busca de melhores condições de vida.

Acredita-se que uma das formas de inverter a pirâmide seria fazer com que os quadros recém-licenciados que queiram abraçar à docência fossem “obrigados” a dar aulas, durante um certo período de tempo no ensino de base, pagando-se-lhes salários condignos e atractivos.

Diante deste quadro, não seria altura de repensar seriamente a qualidade do nosso ensino, rever ou abolir a tão propalada Reforma da Educação que já se revelou um autêntico fracasso?

Será que Angola precisa assim de tantas instituições do ensino superior, de tantos doutores, quando a aposta deveria ser nesta fase na formação de quadros médios técnico-profissionais para alavancar a agricultura e a indústria? Ou a abertura de instituições do ensino superior tornou-se num negócio bastante rentável, ao ponto da qualidade do ensino ter sido relegada para o segundo plano?

Fonte: Novo Jornal

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