Saudosismo colonial: Angola em busca do passado “glorioso” – Muzangueno Alione

Fui tentado a analisar a questão do saudosismo angolano como herança portuguesa a partir de uma entrevista do historiador Oliveira Pinto, que apresentou uma obra sobre a história do país com uma capa da cidade de Luanda na época colonial. A entrevistadora, uma luso-angolana, tentou induzir o autor a afirmar que Angola era melhor sob o domínio português, mas o académico rejeitou essa ideia, dizendo que seria saudosismo, a ilusão de que o passado é melhor do que o presente.

O saudosismo é um sentimento que caracteriza os portugueses, que, como disse Pepetela, “são um povo tristonho”. Portugal viveu na nostalgia de um passado glorioso, quando era um império marítimo, que depois se tornou um país pequeno e submisso à Inglaterra. Em Portugal o saudosismo deu origem a um movimento literário, liderado por Teixeira de Pascoaes (1877 – 1952), que expressava a desilusão com a república e a esperança de um salvador, como Salazar, que pudesse restaurar a “grandeza de Portugal”.

Os angolanos, que nos últimos anos da colonização aspiravam ao estatuto de cidadãos assimilados à portugueses, herdaram dos seus antigos senhores a doença do saudosismo, chegando ao ponto de até em círculos “académicos” defenderem a ideia de que a vida era melhor no tempo colonial – o que desvaloriza gravemente o maior bem e conquista que temos como povo – a liberdade e a Independência Nacional.

A falácia de que Angola era melhor na época colonial só é admissível se com “Angola” querem dizer “os europeus que viviam na colónia”, porque a vida dos angolanos não teve nada de melhor durante os 500 anos de dominação portuguesa.

No tempo colonial, Angola era um lugar de sofrimento e exploração para os angolanos, vítimas de quatro séculos de escravidão e um século de colonização violenta e opressiva. Não há glória nem orgulho nesse passado.

Até 1940, por exemplo, não havia portugueses de classe média a migrar voluntariamente para Angola, mesmo com “as políticas de atração” de colonos. A maioria ia para o Brasil. Para Angola vinham apenas degredados para cumprirem penas por assassinato, roubo e violações na metrópole, já que a pena de morte tinha sido abolida. O autor Oded Galor, na sua obra A jornada da humanidade, relaciona a migração de europeus pouco educados ou instruídos como um factor que influenciou o atraso educacional dessas colónias.

Depois de ser uma colónia penal, Angola transformou-se numa colónia agrícola, mas não havia interesse, nem da população local nem dos colonos degredados (presos condenados) em desenvolver a agricultura.

A agricultura angolana evoluiu para a exportação, criando uma cultura extrativista em que grandes latifundiários detinham grandes porções de terras para cultivar algodão e café, em detrimento de culturas da agricultura familiar. Esse sistema de produção/exploração causou o massacre da Baixa de Cassange. O que há de glorioso nisso?

Num debate na rádio Eclésia Lwena, um “especialista” afirmou que a educação dos angolanos era melhor no tempo colonial, pois hoje há mais analfabetos. Isso é absurdo. No leste de Angola, por exemplo, até 1971 menos de 1% da população tinha a 3ª classe e só havia uma escola secundária na vila luso, reservada aos europeus. Que educação era essa?

O Harari diz que os políticos populistas idealizam um passado glorioso. Trump quis fazer a América grande de novo (quando era a “fábrica do mundo”), Israel quer reconstruir o templo de Salomão que existiu há séculos, os ingleses saíram da união europeia com saudade do império britânico, na Itália há extremistas com nostalgia de Júlio César e Mussolini, e assim por diante.

A ideia de voltar ao “passado glorioso” é natural. Especialmente quando estamos desiludidos com o presente. Mas lamento informar – não há um passado glorioso para Angola, nós estamos a construir o nosso país das cinzas desde 1975, e com mais velocidade a partir de 2002.

Mesmo o nosso passado recente é marcado pelo radicalismo ideológico, o 27 de Maio, a guerra civil entre a UNITA e o Governo que matou mais de 500 mil pessoas e mutilou outras milhares.

Na busca desesperada por “um passado glorioso”, passamos a idolatrar a nota de 100 dólares, com saudades dos “velhos” tempos de corrupção, desperdício, promiscuidade e ignorância colectiva.

Se há um passado glorioso para nós, é o de luta, sangue, suor e lágrimas. E os que devem ser glorificados são aqueles que lutaram pela independência deste país, os que morreram pela paz e pela reconciliação nacional. Essas são as nossas grandes conquistas, que lançaram as bases para começarmos a construir uma grande economia e uma grande democracia – devemos nós construir o passado glorioso que os nossos filhos buscarão com orgulho.

Ninguém deve esperar que os que lutaram no passado venham vencer as batalhas do nosso tempo. Porque como disse o Presidente João Lourenço, “uma Angola desenvolvida, não se espera que nos seja dada – conquista-se!”

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