Após desafiar JLo: Filho de Nandó ‘abana’ estruturas do MPLA

Cláudio da Piedade Dias dos Santos, filho do ex-Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos (Nandó), quebrou o paradigma da disciplina partidária no MPLA após acusar o Presidente João Lourenço de ser o culpado da má gestão do País e da vida difícil que os angolanos vivem nos dias que correm.

Em carta datada de 1 de Dezembro de 2023, e recebida no mesmo dia, às 14 horas e 59 minutos, no Gabinete do Presidente do MPLA, João Lourenço, Cláudio da Piedade Dias dos Santos, filho do famoso general “Nandó”, antigo primeiro-ministro e vice-presidente da República na era do falecido presidente José Eduardo dos Santos (de quem era primo) e presidente da Assembleia Nacional no primeiro mandato de João Lourenço, o filho de Nandó informa João Lourenço de que lidera um movimento cívico que designa por CHEGAMOS (deveria ser CHEGÁMOS) e que iniciou um processo de recolha de assinaturas para a realização de um Congresso Extraordinário do MPLA com vista a deliberar sobre a liderança do partido e a preparação das próximas eleições. Afirma, além disso, que a realidade financeira e socioeconómica do país é precária e o desgaste do governo e do partido uma realidade. Cláudio Dias dos Santos quer abrir um debate para recuperar os ideais de justiça social, concórdia e estabilidade política e social, que redundará na substituição de João Lourenço, como fica implícito na carta.

A primeira nota a referir sobre esta carta é que não se trata de um pedido de realização de congresso, mas sim do anúncio de que esse pedido vai ser feito. É um pré-pedido e, portanto, um documento político, sem cariz administrativo ou legal. Desta carta não resulta a necessidade de convocação de nenhum congresso.

Resultando da leitura dos Estatutos do MPLA que um congresso extraordinário é convocado pelo comité central apenas quando haja “assuntos urgentes e inadiáveis” (art.os 74, n.os 4 e 81,a), não sabemos se a iniciativa de Cláudio Dias dos Santos terá alguma probabilidade de sucesso. É provável que não. Não se vislumbra fundamento estatutário.

O que sabemos é que é um sinal – sinal, aliás, já dado por Isabel e Tchizé dos Santos nas eleições de Agosto de 2022, quando apoiaram a UNITA e não o MPLA, o partido que o pai, José Eduardo dos Santos, tinha liderado durante 37 anos. Tchizé tornou-se, na realidade, a cabeça-de-cartaz da UNITA nesse processo, combatendo o partido do pai, do qual este, obviamente, se tinha afastado, embora não formalmente. Tal como aconteceu na época com José Eduardo dos Santos e Tchizé, actualmente não se conhece nenhum pronunciamento político recente ao pai Nandó. Os filhos avançam contando com o silêncio dos pais. Será aceitação tácita?

O facto é que as famílias principais do partido se agitam. Refira-se que Cláudio Dias dos Santos tem parentesco com Ana Dias Lourenço (a primeira-dama), cuja mãe se chamava Isabel Dias dos Santos.

O sinal dado é que os filhos das elites têm um entendimento do seu papel que não se remete a disciplinas partidárias e/ou ideológicas, mas resulta dos seus interesses e visão pessoal para o país. Há assim um movimento de pluralidade no partido que contraria o velho centralismo democrático, segundo o qual tudo dependia da decisão do líder máximo. Se é ou não o movimento necessário para a refundação do partido, é o que veremos.

Também é certo que nunca estas divergências se tinham feito sentir de forma tão transparente e óbvia, sendo escondidas ou combatidas com armas e repressão. Nesse sentido, a presidência de João Lourenço provocou uma abertura e possibilidade de crítica, inexistentes anteriormente.

Pode ser que o próximo congresso do MPLA seja o primeiro com várias candidaturas desde a independência, o que seria uma demonstração de democracia interna inédita até ao momento. Na verdade, o processo de sucessão de João Lourenço pode ser realizado de forma aberta e competitiva dentro do partido, o que seria uma inovação.

Sendo certo que, se este filho não tiver sucesso, depois do insucesso das filhas, virão outros filhos e filhas, e a renovação será imperativa, pois trata-se de uma questão de geração, que naturalmente o facto biológico impõe.

Se estas iniciativas dos filhos e das filhas têm alguma motivação na defesa do bem comum ou, pelo contrário, não passam de acções de promoção ou defesa de interesses individuais é algo que também ainda está por verificar.

As incógnitas são muitas, mas há um aspecto fundamental que este movimento CHEGAMOS, ou CHEGÁMOS, levanta: a necessidade de a Constituição permitir a actividade política nacional para além dos partidos políticos, designadamente através de grupos de cidadãos, como já acontece nas leis que regulam as futuras autarquias locais. Aí, grupos de cidadãos podem apresentar candidaturas aos órgãos autárquicos. Haver essa possibilidade a nível nacional também abriria a participação política e seria um convite à cidadania, promovendo uma democracia deliberativa.

Uma coisa nos parece indubitavelmente certa: vivemos tempos novos e desafiantes.

C/ Maka Angola

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