Este exercício compreende dois momentos, no primeiro dedico-me a fazer uma análise jurídico-legal da entidade vocacionada a garantir a ordem pública e a segurança nacional (Polícia Nacional), ao passo que no segundo momento dedico-me a uma abordagem jurídico-legal relativamente a brigada de vigilância comunitária a luz do ordenamento jurídico angolano.
Por: Nadilson Paím
Destarte, ofereço-me a emitir a minha opinião nos termos e fundamentos seguintes:
I. Momento
O Estado como pessoa colectiva composta por um grupo de indivíduos que se estabelece sobre um território determinado o qual exerce um poder público-soberano, visa a prosseguir três fins, nomeadamente:
1- Segurança;
2- Justiça;
3- Bem-estar colectivo da população.
Face as constantes reivindicações de inúmeros cidadãos sobre actuação da polícia nacional no âmbito da prevenção e combate a criminalidade e o advento de brigadas de vigilância comunitária, importa frisar que é o primeiro fim que nos importa abordar. Destarte, o fim de segurança a que o Estado fica adstrito face aos cidadãos pode ser compreendido em dois sentidos:
a) Segurança em sentido individual: neste sentido, o Cidadão tem de conhecer com quem pode contar dentro do Estado para garantir a sua integridade física e patrimonial.
A segurança individual também designada como segurança interna, constitui tarefa fundamental do Estado de garantir a segurança dos seus cidadãos dentro do seu território e da sua fronteira. Para se atingir esse fim, o Estado dispõe do serviço da Polícia Nacional (adiante PN), que vela sobre o respeito da ordem pública, da integridade física e patrimonial dos cidadãos.
b) Segurança em sentido coletivo: Aqui o Estado visa a defesa da coletividade face as agressões exteriores, e para atingir esse fim o Estado tem a disposição as Forças Armadas Angolanas.
Do ponto de vista Constitucional é reconhecido e atribuído poder a Polícia Nacional para a manutenção da ordem pública, a prevenção e combate a criminalidade, bem como de outros tipos de ameaças e riscos contra os cidadãos ou os seus patrimônios, vide artigo 209° da CRA.
Nós termos do artigo 2° n.2 da Lei 6/20 de 24 de Março, entende-se por PN a instituição militarizada, uniformizada, armada e apartidária e de natureza de força pública. Dito de outro modo, a PN é a entidade com competência de garantir a segurança pública, prevenção e combater a criminalidade, o terrorismo, bem como qualquer organização que pratique actos que constituam ilícitos penais ou contravenções.
Constitui missão da PN prevenir, combater a criminalidade, garantir a manutenção da ordem pública, e assegurar que os cidadãos exerçam os seus direitos, liberdades e garantias fundamentais, vide artigo 3° da lei supra.
Quer os termos do artigo 7° (atribuições da PN) e o artigo 55° (Medidas Policiais) ambos da lei supra, em momento algum reconhecem a faculdade da Polícia Nacional poder transferir parte do seu poder a um grupo de cidadãos organizados com o obejctivo de prevenir e combater a criminalidade, tão pouco rechonche aos grupos de Cidadãos o direito de sancionarem outrem com escopo de descobrir a verdade material dos factos, pois conduta desta natureza é de todo modo condenável e inconstitucional, vide artigo 36° n.3 alínea a), b) e c) todos da CRA.
Nem a PN, nem qualquer instituição privada, Cidadão individual ou organizados em grupos têm direito de violar a integridade moral e física de outrem, independentemente das razões ou motivos que apresentarem, a lei condena veemente comportamentos que atentem contra a integridade física ou a vida de humana, vide artigo 30°, 31°, 36° n.3 alínea a), b) e c) todos da CRA, coadjuvado com artigo 4° in fine e 5° da Carta Africana dos Direitos do Homens e dos Povos de que Angola aderiu por força da resolução 1/91 de 19 de Janeiro.
É importante frisar que nos termos do artigo 4° n.1 alínea n) da lei 7/16 de 1 de Junho, o Estado reconhece a Comissão de moradores (enquanto pessoa colectiva de direito público) a faculdade de identificar e controlar o grau de criminalidade e de outras formas de violação a lei e da ordem pública. Porem, em nenhum momento o Estado reconhece a essa pessoa colectiva de direito público o direito de caçar, espancar, investigar ou prender agentes relacionados com a prática de um crime, pois tal competência é exclusiva da PN, vide artigo 209° da CRA.
Quer a PN, quer o cidadão individual, quer a pessoa colectiva pública ou privada, não podem privar a liberdade de outrem fora dos termos estabelecidos na lei, vide artigo 36° n.2 e 64° da CRA, artigo 8° da lei 25/15 de 18 de Setembro. A privação da liberdade de um indivíduo com o fim diverso ou que não observa as formalidades legais, é ilegal na base do consignado nos termos do artigo 36° n.4 da lei 25/15 de 18 de Setembro coadjuvado com o parágrafo único do artigo 291° do CPP.
II. Momento
Chegados aqui, estamos mais por dentro da matéria, portanto vamos navegar mais a fundo sobre a brigada de vigilância (“turma do apito”).
Face ao introito, é de todo modo condenável a existência de organizações dessa natureza que de forma ilegal arrogam para si competência para punir caçar, investigar e, em muitos casos, punir agentes que se presumem ser autores de crimes (vide artigo 67° n.2 da CRA), com escopo de mitigarem ou extinguirem a criminalidade no seio da comunidade, na medida em que a referia competência é exclusiva da PN, não podendo ser fracionada com uma outra entidade ou organização civil, visto que nenhum Cidadão ou organização civil tem legitimidade para aplicar medidas de cação ou punição, seja qual a razão ou motivo que se invoque, estaríamos diante de uma situação condenável a todos os títulos, a justiça por mãos próprias, nos termos do artigo 1° do CPC.
Para que a organização civil (brigada de vigilância) exista com a missão que arroga ter, é necessário que uma lei lhe confira tal direito, dito de outro modo, os órgãos que asseguram a ordem pública só podem ser criado por lei, vide artigo 209° n.2 da CRA.
Não se pode confundir a faculdade que a lei reconhece a um Cidadão individual de poder privar a liberdade de outrem que estiver a cometer um ilícito em flagrante delito (por um período de tempo precário), devendo imediatamente apresentá-lo perante as autoridades policiais mais próximas, sob pena de ser responsabilizado criminalmente, de acordo o consignado nos termos do artigo 334° do CP.
A faculdade que a lei reconhece aos particulares nos termos do artigo 8° n.1 e 2 da lei 25/15 de 18 de Setembro, quando para efectuar a detenção o particular chega a espancar o suposto presumível autor do crime, será o agente que efectuar a detenção ou privação da liberdade do suposto meliante responsabilizado do ponto de vista criminal, vide artigo 335° do CP.
Cumpre-me ainda, frisar, que a brigada de vigilância não tem competências para efectuar revistas, buscas ou apreensões, pois tal competência é reservada exclusivamente para o Ministério Público, juiz e agentes de investigação criminal dos (SIC) munidos de competente mandado, tal como dispõe o artigo 2° e 3°, da lei 2/14, de 10 de Fevereiro.
O direito policial não pode ser fraccionado mediante ordem ou deliberação de um Governador, Administrador ou Comandante, ou qualquer outra entidade, somente a lei têm o poder de o fazer. Não sou a favor da criação das brigadas de vigilância que alem de ilegal, representa uma grave ameaça a ordem e a tranquilidade social, que se corrija o que esta mal começando pelo que não está bem, sob pena de incitar-se a vingança privada, existem relatos e dados que essas brigadas têm excedidos nas suas actuações, dúvidas não subsistem que a forma como essas brigadas se apresentam nos remete ao tipo legal de crime reunião armada, vide artigo 178° n.1 e 3 do CP.
É urgente que se estinga estas brigadas sob pena de a Polícia Nacional perder a autoridade dentro das comunidades, e num futuro breve o poder de manter a ordem e a tranquilidade pública ficar a mão ou cargo daqueles que detiverem maior força, estou a alerta a criação de verdadeiras “milícias”, a exemplo do que vemos em outras paragens, voltaremos a era da justiça privada caso não se extinguir, com urgência, as ditas brigadas de vigilância comunitária. (“turma do apito”)
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Publicado aos 27-09-2020
Como dizem os mais velhos, antes tarde que nunca.