As assimetrias regionais: O caso do Leste de Angola

Há tempos acompanhei uma reflexão sobre as assimetrias regionais no leste, particularmente na província do Moxico. Os argumentos centrais expressavam um sentimento de abandono, falta de vontade política e falta de atitude dos cidadãos da região. Eu, que naturalmente tenho a tendência de desconstruir, tentei demonstrar que, para além dos factores geográficos, históricos e culturais, como o processo de colonização e as guerras, parece haver uma tendência mundial de o desenvolvimento (económico/industrial) estar direcionado em certas regiões geográficas, claro, não ao ponto da não prestação dos serviços sociais básicos. Mas analisar profundamente um facto complexo é muito difícil, daí o apego em paixões falaciosas.

Por: Muzangueno Alione

As províncias do Moxico, Lunda Norte e Lunda Sul ocupam juntas um total de 603.199 km2, que representa cerca de 46,7% do território nacional. Somando as populações, obtemos cerca de 3 milhões de habitantes, menos de 10% da população do país, estimada em mais ou menos 32 milhões de habitantes. Se acrescentarmos os nossos parentes do Cuando Cubango, teríamos 64,4% do território angolano, mas a população altera pouco, 11%.

Em termos comparativos, as províncias de Luanda, Benguela e Huíla ocupam apenas cerca de 8% do território nacional, com uma área total de 109.207 km2. No entanto, elas abrigam quase metade da população angolana, 42%, equivalente a mais de 15 milhões de habitantes. Em contraste, três municípios da província do Moxico, Cameia, Alto Zambeze e Moxico, têm uma área combinada de 115.223 km2, que é maior do que as três províncias juntas. No entanto, esses municípios têm uma população muito menor, de apenas cerca de 600 mil habitantes.

Bem, não conseguimos medir quantitativamente a vontade política, que muitos defendem como factor principal do subdesenvolvimento do leste. No entanto, é evidente que qualquer político, por mais careca ou cabeludo que seja, tende a priorizar os grandes centros populacionais, onde há mais eleitores e mais influência política – isso é um facto, não uma opinião.

O argumento da falta de atitude dos cidadãos da região se refere a decisão no momento do voto, que também é falacioso, porque apesar de todas as províncias elegerem 5 deputados cada, a Assembleia Nacional tem 220, dos quais 90 são do círculo provincial e 130 do círculo nacional. Isso significa que 59% dos deputados são escolhidos pelos grandes aglomerados populacionais, onde estão concentrados os eleitores. As duas maiores bancadas parlamentares, o MPLA e a UNITA, têm respectivamente 67 e 57 deputados do círculo nacional, em um total de 124 e 90.

Analisando as listas disponíveis no site da Assembleia Nacional, percebe-se que esses deputados estão vinculados, directa ou indirectamente, aos interesses das elites políticas e económicas do país. É raro encontrar, nas duas bancadas, deputados do círculo nacional que representem a região leste. Essa é a questão-chave para entender a falta de representatividade da região.

Sempre defendi que o desenvolvimento da região leste não depende apenas da vontade política, mas também, e principalmente da relevância política e geoestratégica, que pode ser impulsionada pelo atual processo de transição energética na Europa e nos EUA, que estão interessados em garantir o acesso ao cobre, um metal essencial para a produção de carros elétricos e as telecomunicações, que abunda no Congo e na Zâmbia.

Para isso, o G7 aprovou um financiamento de 600 bilhões de dólares para se investir no corredor do Lobito nos próximos cinco anos, tornando-o a rota de exportação mais segura e eficiente para o cobre africano. Este é um assunto muito complexo, que envolve o isolamento da China e da Rússia, os principais concorrentes dos países ocidentais na corrida pelo cobre, e, por outro lado, parceiros tradicionais na política externa de Angola.

O Moxico aparece, coincidentemente, como “o caminho” de passagem para a matéria-prima, e por isso tem um papel estratégico nesse cenário complexo que culminará com o desmantelamento das rotas logísticas da África subsariana que ligam o Congo e a Zâmbia com a Tanzânia, a Namíbia e a África do Sul com caminhões detidos por redes clientelistas fortemente enraizadas.

Esse cenário geopolítico mundial, transcendem a vontade política doméstica, e o investimento em infraestruturas como estradas, telecomunicações e agronegócio, são inevitáveis, e ultrapassam os programas e os interesses políticos dos governos locais.

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