Graça Machel defende que o partido no poder em Moçambique deve “reconhecer honestamente as derrotas” e “pedir desculpas ao povo”. Já o ex-presidente Joaquim Chissano diz que assuntos da FRELIMO são tratados internamente.
A Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, deve “reconhecer honestamente as derrotas” e “pedir desculpas ao povo”, afirma a ativista social Graça Machel.
“A humildade a que me refiro passa necessariamente por reconhecer os erros cometidos pela FRELIMO e, se necessário, pedir desculpas” e “passa por nos distanciarmos do grupo minoritário que assaltou parte da máquina do partido”, refere numa carta citada pela agência Lusa.
O partido deve “reconhecer e aceitar as vitórias” que obteve “honestamente e reconhecer e aceitar honestamente as derrotas onde as houver”, continua a antiga ministra da Educação e ex-membro do Comité Central da FRELIMO.
Grupos de observação eleitoral, sociedade civil, partidos da oposição e várias figuras consideram que as eleições autárquicas de 11 de outubro foram fraudulentas, favorecendo a FRELIMO, que ganhou em 64 das 65 autarquias do país.
Para Graça Machel, viúva do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel, “a inércia, inação e complacência dos quadros [do partido] permitiu que se gerasse e consolidasse a narrativa de que a FRELIMO é formada por ladrões, assassinos e arrogantes”.
Reunião nacional urgente do partido
Na qualidade de militante, diz que subscreve a proposta defendida por alguns membros do partido de realização urgente de uma reunião nacional de quadros para uma reflexão, de forma aberta, da vida do partido.
A reunião, prossegue, serviria para encontrar caminhos que levasse à recuperação da confiança, credibilidade e química com o povo. “Assistimos, nos últimos anos, à captura da máquina administrativa do partido por uma fração de membros, responsáveis pela erosão e desvirtuamento da razão e sentido de ser da FRELIMO”, lê-se no documento.
Esse grupo minoritário tem uma agenda própria, “que age em nome da Frelimo, mas contra a própria Frelimo”, refere Graça Machel, atualmente presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC).
Graça Machel sustenta que a apropriação do partido por uma minoria levou a dificuldades em manter-se como “um partido de massas”.
Chissano só fala depois do Constitucional
Na segunda-feira (06.11), o ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano afirmou que os assuntos da FRELIMO, que liderou, devem ser tratados internamente. Disse ainda que só vai comentar o processo eleitoral autárquico depois das decisões finais do Conselho Constitucional.
“Assuntos da FRELIMO, em sede própria, não é aqui. Porque aqui estou a falar para a América, estou a falar para Austrália, não. Eu quero falar com os moçambicanos, em Moçambique, e sobretudo para os membros da Frelimo, portanto não é aqui”, afirmou Chissano, questionado pelos jornalistas sobre as críticas internas no partido no poder ao processo envolvendo as eleições autárquicas de 11 de outubro.
“Este assunto, eu vou começar a pensar nele depois de ouvir o que vai dizer o Conselho Constitucional. Por enquanto estou em silêncio. E quando ouvir o Conselho Constitucional então vou saber. Porque eu não gosto de agir com precipitação”, disse ainda Chissano, chefe de Estado de 1986 a 2005.
As ruas de algumas cidades moçambicanas, incluindo Maputo, têm sido tomadas por consecutivas manifestações da oposição apelidadas como de “repúdio” à “megafraude” no processo envolvendo as eleições autárquicas de 11 de outubro e os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), que atribuiu a vitória à FRELIMO em 64 das 65 autarquias do país, e que tem sido fortemente criticado pelos partidos da oposição, sociedade civil e organizações não-governamentais.
A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), que nas anteriores 53 autarquias (12 novas autarquias foram criadas este ano) liderava em oito, ficou sem qualquer município, apesar de reclamar vitória nas maiores cidades do país, com base nas atas e editais originais das assembleias de voto, tendo recorrido para o Conselho Constitucional, última instância de recurso no processo eleitoral.
As críticas de Samora Machel Júnior
O político Samora Machel Júnior, filho do primeiro Presidente moçambicano e membro do Comité Central da FRELIMO, assumiu em 19 de Outubro “total desacordo” e “desdém” face aos “atos antipatrióticos” envolvendo o partido nas eleições autárquicas de 11 de outubro.
Numa carta divulgada publicamente em Maputo, no dia em que passaram 37 anos da morte de Samora Machel (29 de setembro de 1933 – 19 de outubro de 1986), o político e atual presidente da Montepuez Ruby Mine, em Cabo Delgado, disse que “por todo Moçambique o clamor do povo é de desacordo perante os atropelos flagrantes à integridade das escolhas feitas pelos eleitores durante o processo das eleições autárquicas”.
Na qualidade de membro do partido, “na sua direção máxima”, e assumindo “sentimento de profunda identificação com os ideias e história do partido”, Samora Machel Júnior expressou, na carta, “total desacordo e desdém aos atos antipatrióticos, profundamente antidemocráticos que, embora sejam praticados em suposta defesa dos interesses do partido Frelimo, no ranger e arrepio da verdade, descredibiliza a marca Frelimo perante o povo” pelo qual os políticos se comprometeram a “lutar, libertar e defender”.
“São atos que corroem o processo democrático, põem em risco a unidade nacional e comprometem a paz que se deseja para o povo moçambicano, independentemente das opções partidárias”, acrescentou Samora Machel Júnior, dirigente da Frelimo a assumir o tom crítico mais grave até agora.
O político reconheceu como “lamentável que, em momentos cruciais” como as eleições, “interesses pessoais e de grupo se sobreponham ao desiderato coletivo, pondo em causa o nome do partido Frelimo e da nação”.
Para Samora Machel Júnior, “perante tal estado de coisas”, é “fundamental que se esclareça o sucedido, através de exaustiva investigação, para identificar os responsáveis” e “sem exceções, os culpados devem ser levados à barra da justiça, independentemente da sua filiação partidária”.
Fonte: DW