Nas últimas semanas, começaram a ser publicadas notícias sobre a sucessão do Presidente João Lourenço tanto na liderança do MPLA, como na do Estado.
As notícias acabam por ser até contraditórias, dando algumas como confirmada a vontade de um terceiro mandato, enquanto outras dão a sucessão como certa, tanto no MPLA, como na liderança do país. Usando a hipótese de sucessão, também vêm sendo já lançados nomes de putativos candidatos a próximos líderes do MPLA e, de acordo com o estatuto, também à Presidência da República.
Estas notícias surgem num momento crítico para o MPLA e o seu líder, face aos grandes desafios da governação e da necessidade deste partido de dar uma resposta que se impõe aos resultados eleitorais e aos processos fracturantes internos como, por exemplo, o resultado dos congressos, a composição do Comité Central (CC), a lista dos deputados e a transição da liderança. Reclama-se por um processo que seja capaz de reunir a família MPLA, revitalizar as bases e apostar, de modo sério, no trabalho com a juventude.
O timing e o conteúdo das notícias não deixam dúvidas de que a origem é o interior do MPLA, o que reforça a percepção de que existe uma corrente que acredita que a abertura democrática interna deve constituir-se nesse processo aglutinador de que todos aguardam.
O timing destas notícias também deixa claro que o objectivo não é pressionar o actual Presidente da República, que foi investido, em 2022, para um segundo mandato de cinco anos. Só um erro estratégico e completamente desavisado levaria o Presidente João Lourenço a manchar os quatro anos restantes do seu mandato com um debate sobre a sucessão. Não se espera por que o Presidente da República alimente esse debate, o que não invalida que qualquer coisa que ele diga ou não diga seja usada para prolongar essa novela sobre quem pode ser e como deve ser escolhido o próximo líder do MPLA.
Estamos inclinados a pensar que alguém, necessariamente de dentro do MPLA, está a lançar nomes de putativos candidatos para, com isso, “forçar” a inclusão do tema da sucessão e dos prováveis candidatos na agenda política dos nossos dias.
Tendo o último acontecido em Dezembro de 2021, o próximo Congresso Ordinário e electivo pode ocorrer entre fins de 2025 e princípios de 2026 e a “chuva de nomes” podem evidenciar duas intenções: a primeira hipótese é a de estarem a ser lançados nomes para que os citados sejam obrigados a confirmar ou desmentir a sua pretensão. Trata-se de um jogo de resistência. Algumas delas acabarão por ser tantas vezes citadas e referidas como tendo apoios e encontros de preparação que acabarão, mais cedo ou mais tarde, por tomar uma posição pública.
A segunda hipótese é a possibilidade destes nomes estarem a ser lançados como forma de testar a popularidade e a reacção do público. Os comentários nas redes sociais e as sondagens que podem ser feitas depois de lançados nomes como potenciais candidatos podem revelar-se como instrumentos importantes para a decisão final de apresentar ou não uma candidatura à liderança do MPLA.
Estas movimentações e jogadas políticas reflectem o nascimento de uma nova etapa do processo de democracia interna do MPLA. Apesar das múltiplas candidaturas e das correntes de opinião estarem consagradas nos estatutos do MPLA, os últimos congressos ordinários não permitiram grandes avanços nestes dois pontos. O próximo congresso é visto como o evento da consagração não só das múltiplas candidaturas, mas também das correntes internas de opinião.
Estão, hoje, mais do que expostas as diferentes fracturas que não são, na verdade, ideológicas, mas sobretudo relacionadas com o estilo de gestão dos problemas.
Mais do que acordos e entendimentos internos para atenuar as divergências internas, acredita-se que o processo de democracia interna possa fortalecer a coesão interna. Por via do voto democrático, cada corrente política poderá apresentar a sua moção de estratégia e, de acordo com os resultados, obter proporcionalmente a legitimidade de participação nas diferentes estruturas municipais, provinciais e nacional do partido.
Embora existam correntes de opinião mais ou menos autónomas, dois grandes grupos polarizam a vida interna do MPLA: os chamados eduardistas e os lourencistas. A rotulação dos grupos não é rigorosa, já que não é líquido que todos os grupos a quem se atribui o mesmo rótulo partilhem das mesmas opiniões sobre questões centrais da vida interna do partido, como o combate à corrupção, orientação política do Governo ou mesmo a democracia interna.
Nem todos os chamados Eduardistas são defensores do fim do combate à corrupção, do mesmo modo que nem todos os Lourencistas apoiam o estilo de liderança de João Lourenço. Nas próximas semanas e meses, teremos, provavelmente, o posicionamento público de figuras que querem protagonizar um pensamento próprio diferente do líder. Estamos em crer que os próximos meses serão de uma dinâmica conquista da opinião pública de preparação do ano de 2024, que será determinante para o processo preparatório do Congresso do ano seguinte e para a eventualidade de realização de eleições autárquicas.
Nada de anormal. Trata-se apenas do aprofundamento da democracia interna, algo de que o MPLA precisa urgentemente, se se quiser manter no poder. Para vencer as próximas eleições, o MPLA necessita de estancar o descontentamento e a sensação de abandono entre dirigentes, militantes e simpatizantes e permitir que os cargos nos órgãos intermédios e centrais sejam mais a vontade dos militantes do que da direcção do partido. O reforço da democracia interna na base do voto livre, sem interferências do Secretariado do Bureau Político, permite que cada corrente de opinião possa estar representada nas estruturas de acordo com a vontade dos militantes. Ser for adiante, como todos esperam, estamos a assistir o que pode vir a ser um prenúncio de uma sã e democrática disputa entre correntes de opinião interna do MPLA, que, por sua vez, vai conduzir a uma convivência interna mais pacífica, mas também de maior frontalidade na discussão sobre os destinos do maior partido do país.
Ismael Mateus/JA