A democracia assenta nos valores da dignidade da pessoa humana, pluralismo ideológico, separação e cooperação de poderes para fiscalizar o exercício de poderes pelo legislador face ao Executivo do Presidente da República e este face aquele, bem como a função dos tribunais para dirimir conflitos ou controversa de aplicação da Constituição da República de Angola (CRA) e das leis.
Por: João Pinto*
O Parlamento multipartidário ou plural resultante das eleições de 24 de Agosto de 2022, é composto pelo MPLA com 124 Deputados, UNITA com 90 Deputados, PH com 2, PRS com 2 e FNLA com 2 Deputados. A Assembleia Nacional é presidida pela Deputada Carolina Cerqueira (MPLA) e, pela primeira vez na história, teve a coincidência de ser a primeira mulher a dirigir uma sessão tensa cuja agenda era a iniciativa de destituição do PR da iniciativa dos Deputados da UNITA e que foi rejeitada liminarmente…
Nunca pensei que ao redigirmos o artigo 284.° do Regimento da Assembleia Nacional (RAN) tivesse tanta utilidade para concretizar o artigo 129.° da CRA. Essa norma foi incluída em 2012, cuja ratio visava dar cumprimento ao Instituto da destituição ou crise de legitimidade/autoridade do PR da iniciativa do Parlamento se for aprovada, sendo um acto político ou de conveniência e partilhado com o poder judicial se for adiante.
Sendo um risco de decidir quer do PR quer do Parlamento, pelo facto do PR também poder co- responsabilizar o Parlamento numa situação de auto-demissão causando a dissolução do Parlamento…
O dia 14 de Outubro de 2023, criou um precedente no Direito Constitucional angolano e no modelo presidencial-presidencial como modelo misto e original com limites expressos e implícitos…
Na verdade, a Exma Presidente da AN Dra Carolina Cerqueira, preparou-se bem e preveniu que se confindisse aprovação da Resolução sobre a composição da Comissão Acentual que elabora o Parecer e a Resolução com a Proposta de acusação do PR, com o acto prévio de admissão ou rejeição para analisar a oportunidade da iniciativa da Oposição!
É lamentável a leitura precipitada ou pela diagonal e o ambiente de desconfiança que se foi plantando e a vanglória nas redes sociais sobre a votação “secreta” que só ocorreria se a Comissão Eventual composta proporcionalmente aprovasse o respectivo Parecer e aí, sim, a votação seria secreta, salvo deliberação contrária do Plenário.
A UNITA e seus seguidores, cometeram os seguintes erros:
1. Pressionar o Presidente João Lourenço e o MPLA, para tirarem vantagem ou condicionarem com chantagem;
2. Anunciaram antes de medirem os riscos dos seus actos, muito menos fizeram leitura aturada da matéria com o precedente e queriam dar a ideia de um “MPLA dividido”, quando quem os induziu quis apenas criar factos politicos para desviar a atenção para condicionar o João Lourenço;
3. O comportamento dos Deputados proponentes mostrou nervosismo, surpresa ou a posição da PAN/CC ao não rejeitar, mas levar ao conhecimento da Comissão Permanente e esta convocou a Plenária, quando estava a tratar da abertura do Ano Parlamentar…
4. Os Deputados é que constituem a Assembleia Nacional, qualquer acto solene de aprovação ou não da agenda ou tema, faz-se por votação por mão levantada, para depois ser analisada, para tal, até mesmo antes de reunir-se a maioria pode não concordar com uma agenda e chumbar por maioria, podendo a oposição recorrer ao Plenário de qualquer decisão da PAN ou de órgãos internos, por isso, o Plenário é soberano…
Ademais, importa que no futuro se esclareça a situação como a auto-demissão do PR que exige a dissolução da Assembleia Nacional, estando em gestão corrente o Executivo, o órgão da AN que apenas funciona a Comissão Permanente…
A disciplina dos Deputados por Bancada é importante, por imperativo de lealdade com o cabeça de lista às eleições gerais para PR, por isso, é ilógico uma maioria ter medo de defender o seu Líder ou Executivo, defender a linha política, mas essa polêmica exige de todos maior atenção e prudência.
No futuro é imperioso evitar ignorar o papel da Oposição Parlamentar numa Democracia plural, a democracia faz-se com todos até com quem contesta ou fiscaliza a maioria, estamos numa situação de bipolarização política entre maioria e oposição. Mas deve ser feita com respeito e consideração recíproca, evitando ameaça, injúria ou difamação para desacreditar o adversário, é preciso moderação e ponderação pelo facto da maioria governar e defender o seu Programa eleito cabendo à Oposição fiscalizar a governação usando as armas leais que a Constituição prevê, evitando situações de incitação à violência ou desobediência civil por configurar ameaça à segurança nacional…
*JP: Professor de Ciência Política e Direito Constitucional;
*Antigo Deputado 2008-2022