Tunda Mu Njila: Destituição pelo Povo

Na semana em que o grupo parlamentar da UNITA assinou, em cerimónia solene, a proposta de destituição do Presidente do País, o Novo Jornal noticiou que 87 por cento das escolas primárias e secundárias públicas em Angola funcionam sem acesso à água canalizada.

Este Jornal, citando dados oficiais, adianta que 82 por cento dessas escolas também estão privadas de energia eléctrica, 60 por cento exercem as suas actividades sem casas de banho e 89 por cento estão excluídas de qualquer tipo de cabimentação orçamental do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE).
Acrescenta que 12 por cento das escolas do País têm salas de aula ao ar livre e que 31 por cento dos alunos percorrem por mais de quatro quilómetros para ir à escola.

Ao anunciar a sua proposta de impeachment, a UNITA apresenta como argumentos a violação da Constituição da República, acto que atenta gravemente contra o Estado Democrático e de Direito e põe em causa o regular funcionamento das instituições.
Se o grupo parlamentar do Galo Negro evoca fundamentos político-constitucionais para pedir a destituição do actual Presidente de Angola, o Povo aponta a abjecta miséria em que vivem os angolanos como razão para desejar e apelar à saída de João Lourenço.

Num impeachment de origem popular, o Povo, seguramente, pedirá a destituição do Presidente pela sua manifesta e comprovada incapacidade de resolver os principais problemas que afligem as populações angolanas.
Problemas como a fome, a pobreza extrema que atinge pelo menos metade da população, a falta de água, de saneamento básico e de cuidados primários de saúde, bem como de educação de qualidade, o maior fracasso do actual modelo sociopolítico e económico.

A destituição que o Povo quer é também pela “cidadania plena de todos os angolanos, pela observância dos seus direitos mais elementares, tais como: alimentação, água potável, habitação, educação, saúde, electricidade, internet e emprego”, de acordo com Filomeno Vieira Lopes, presidente do Bloco Democrático, um dos integrantes da Frente Patriótica Unida (FPU).

O Povo anseia por este afastamento, porque se recusa a aceitar como normal que o País, com os recursos que possui, tenha mais de quatro milhões de crianças sem acesso à escola e que a maioria das escolas funcione sem água, sem luz eléctrica, nem casas de banho e sem uma dotação orçamental do Estado ou com salas de aula ao relento.

Certo de que a Educação é o melhor instrumento para combater a pobreza, as desigualdades, a indigência e a criminalidade, o Povo defende a retirada do Chefe de Estado, porque almeja por um ensino de qualidade para todos e um País desenvolvido e justo, onde o investimento na Educação é prioritário.

Os angolanos, fartos da promiscuidade na Educação, capitaneada pelo lobby das escolas privadas, sonham com a destituição e a mudança desse modelo político, gerador de desigualdades, opressão e corrupção.

Para que as suas crianças e jovens estejam à altura de ler, escrever e interpretar com sentido crítico o que se passa à sua volta, em vez de se comportarem como meros papagaios, reprodutores de ideias e propaganda culturalmente castradoras, o Povo manifesta-se pela destituição.

Na opinião de Vieira Lopes, violar a Constituição “com o fim único de perpetuar o poder hegemónico de uma facção política”, equivale a “subversão da ordem estabelecida, golpe de Estado e ao crime de Alta Traição”.

No entanto, para o Povo, o Soberano, é Alta Traição, o Poder deixar morrer à fome 46 crianças/dia, uma média de duas crianças com menos de cinco anos/hora, como noticiou, em tempos, este semanário.

O Soberano quer o impeachment de um Presidente que continua a privilegiar os da sua casta, acentuando ainda mais o fosso entre ricos e miseráveis e aumentando as desigualdades, num País onde a miséria “paga IVA”, na expressão de Paulo Flores e Yuri da Cunha, em “Njila Dikanga”.

Defende a destituição, porque está cansado de um Poder que, mais preocupado em agradar interesses externos, adopta medidas sem qualquer serventia, discriminatórias e desfasadas da realidade geográfico-cultural, em vez de cumprir as promessas que fez no sentido de melhorar a vida dos angolanos.

Na percepção do Povo, também é Alta Traição transformar a sua Nação num Estado pedinte que vive de mão estendida para o estrangeiro, à espera de uma migalha para a sua sobrevivência, enquanto é forçado a assistir, inerte, à prostituição e escravização dos seus filhos.

O Soberano almeja por esta deposição para travar a triste sangria de quadros, desencadeada pela nova onda de emigração nacional, olhada com indiferença por quem detém o Poder.

Uma partida para o estrangeiro, sem perspectivas de regresso, protagonizada por jovens da mais escolarizada geração de sempre que, apesar de indispensáveis para a (re)construção de uma pátria sadia para todos, não encontram condições para a sua realização no País.

Alta Traição, para o “Povo Especial”, é, igualmente, o menosprezo do Poder à “mortalidade que aumenta substancialmente porque o sistema de saúde primário não consegue atender o volume de crianças que acorrem aos hospitais, tanto do ponto de vista de trabalho, recursos humanos e de meios”, segundo denúncia do Sindicato dos Médicos angolanos.

O derrube pedido pelo Povo deve-se também à falta de vias de comunicações de qualidade e outras infra-estruturas para o escoamento e distribuição por todo o País da produção agrícola de diferentes províncias.

Para o Povo, apostar na produção nacional é contribuir para a auto-suficiência alimentar, bem como para o desmantelamento do poderoso lobby das importações, sustentado luxuosamente por chorudas “mixas” (comissões) que a importação permite.

O Soberano pretende a destituição para atacar com as desigualdades políticas, económicas e sociais que estão na base da desertificação de muitas regiões e o sobrepovoamento de Luanda que, apesar de ser a mais pequena província do País, alberga cerca de 1/3 da população nacional.

Por isso, o impeachment de origem popular é igualmente pela coesão territorial, contra as assimetrias regionais e a luandização do País, bem como contra pequenos apartheids que o Poder sub-repticiamente instituiu e que fazem de Angola um dos países mais desiguais e, consequentemente, mais corruptos do Mundo.

Porque se cansou de ser chacota na região e no continente, porque quer afirmar livremente as suas características físicas, os seus valores culturais e identitários sem ser perseguido e humilhado, o Povo, objectivamente, defende a destituição.

Os angolanos são favoráveis ao impeachment porque querem ter uma polícia que os proteja, que seja guardiã da lei e da ordem, que não assassine os seus filhos activistas, não mate, nem persiga zungueiras, atiradas para a indigência pela má governação que as obriga a escolher entre a zunga e a criminalidade.
Mulheres que com a zunga sustentam as suas famílias, educam os seus filhos, os excluídos, aos quais a incompetência governamental retirou o ensino universal e gratuito. Heroínas que, desta forma, dão um grande contributo para a construção de Angola.

O Povo deseja o afastamento, porque abomina a prepotência de “makalakatas” que espoliam os seus terrenos, destroem as suas sanzalas e cubatas, deixando dezenas de famílias com crianças ao relento e expostas a todo o tipo de intempéries.

Quer ver pelas costas esses insaciáveis egoístas que “querem tudo e não deixam nada”, à semelhança de “Os Vampiros” da canção de Zeca Afonso.

O pedido popular de destituição visa ainda acabar com o genocídio mediático, praticado pela capturada comunicação social de capitais públicos que manipula e aldraba o Povo, promove a intolerância, incita ao ódio e violência contra contestatários, tal como fazia, em 1994, a “Rádio Televisão Livre das Mil Colinas” (RTLM) e o jornal “Kangura”, no genocídio do Rwanda.

Asfixiados pela claustrofobia política, os angolanos querem mudança do actual modelo de desenvolvimento que patrocina a bajulação e enriquece os políticos à medida que empobrece as populações.

Contra a miséria humana e a intolerância política, o Povo quer a destituição, por uma vida com qualidade, dignidade e humanidade, pela Paz, Liberdade e Democracia, porque, citando Lula da Silva, “militar (lutar) contra a fome e pobreza é militar pela paz”.

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