Benguela exige punição dura de policial predador sexual e homicida

ÚLTIMO ADEUS A LURDES NUMA, ÍCONE DA LUTA CONTRA VIOLÊNCIA SEXUAL

Lágrimas, repulsa e grande comoção nas ruas de Benguela marcaram este sábado, 10, a despedida de Lurdes Numa, 19 anos, a escuteira morta pelo padrasto, no bairro do Quioxe.

Por: José Honório

Com muita vontade de viver, Lurdes Numa foi vítima de estupro em própria casa, antes de ser assassinada barbaramente nada mais, nada menos… por um subinspector da Polícia Nacional em Benguela, já detido.

Definitivamente. Benguela tirou a cabeça na areia da apatia para, de uma vez por todas, repudiar, com toda a veemência, esse repugnante caso de abuso sexual contra uma mulher, sendo autor confesso o próprio padrasto e ainda por cima é agente da Polícia Nacional, que deveria defendê-la.

Debalde.
O monstro dentro de si revelou seu fel e crueldade inimagináveis. Sem clemência, valendo-se da sua autoridade sobre a vítima, atacou-a ferozmente. Não estando saciado com as sevícias sexuais sujeitas a outrem, decidiu calar sua voz para sempre.

Inconformado sei lá com o quê, o agressor, que mais se parece um psicopata, usou um porrete – a si atribuído pela corporação para reprimir criminosos – com o qual teria amordaçado a vítima de tal maneira que esta não gritasse sua voz imaculada à vizinhança e em seguida desferiu golpes, causando-lhe morte. Sem dó nem piedade.

Como quem quisesse se livrar das provas, porém, indeléveis, o insano esconderia o corpo de Lurdes, já sem vida nem roupas, mas com sinais inilidíveis das duras sevícias sofridas, sob a humilde cama do quarto onde, imagino eu, Lurdes orava e rogava aos Céus para que este dia macabro jamais chegasse.

Revoltadas, milhares de pessoas despediram-se hoje da entusiasta caminheira da Associação dos Escuteiros, no trajecto do cortejo fúnebre nas ruas de Benguela, numa onda de grande comoção jamais vista nestas paragens, que ultimamente tem sido notícia pelas piores razões no que à criminalidade violenta diz respeito.

Com as vias parcialmente interditas ao trânsito em direcção ao Cemitério Velho da Camunda, onde decorreu o funeral, as pessoas, entre escuteiros, colegas de escola, vizinhos e anónimos invadiram as faixas de rodagem gritando por justiça já.
Ou seja, exigindo que a culpa não morra jamais solteira.

Enquanto caminhavam a pé, com lágrimas visíveis em alguns rostos, várias pessoas, algumas com flores na mão e cartazes com dizeres de repúdio: “Basta os abusos sexuais”, “Stop”, gritavam incansavelmente pelo nome Lú em jeito de homenagem, que parou Benguela.

Num ápice, Lurdes Numa transformou-se no ícone da luta contra a violência sexual de que centenas de mulheres angolanas, quer crianças, adolescentes, jovens, adultas, e quer idosas têm vindo a sofrer todos os dias em todo o país. Às vezes, ignoradas pela justiça.

Se dúvidas ainda as há, então basta reverem alguns episódios do Fala Angola. Saberão certamente do que estou a falar. É doloroso o descaso das instituições para com estas vítimas, muitas delas abandonadas a própria sorte. Sem beira nem eira.

O que mais revolta as pessoas é, sem sombras de dúvidas, a brandura com que a justiça tem tratado os casos de abusos sexuais, o que no entender de especialistas tem levado a que as estatísticas não parem de crescer, infelizmente.

Tudo isso acontece num país que, apesar de apostar no empoderamento feminino a todos os níveis, revela-se incapaz, ineficaz e ineficiente de travar esta tragédia contra as mulheres em pleno século 21.

Mais ainda: Benguela tem sido palco de casos de criminalidade violenta envolvendo agentes da Polícia Nacional e que bradam os céus por justiça. Desde agressões, abusos sexuais a homicídios.

Só para reavivar a memória do leitor, corria o mês de Setembro de 2018, quando um agente da Polícia Nacional tirou a vida a duas crianças inocentes, por sinal, irmãs de seis e oito anos, no bairro da Caponte City, por supostas razões passionais.

Na altura e, tal como neste caso da Lurdes, o homicida, inconformado após esfaquear as crianças, com cuja mãe teria tido uma relação amorosa, também escondera os corpos em casa e, em seguida, dissimulando um assalto, surripiou o televisor plasma e o descodificador de sinal de TV, metendo-se em fuga.

Só que, após uma aturada investigação, acabaria detido, julgado e condenado, estando enclausurado nas masmorras da Penitenciária do Cavaco, onde o predador sexual de Lurdes Numa também verá o sol aos quadradinhos por tamanha irreflexão.

Outro caso foi o assassinato na via pública de um professor em serviço na Direcção Municipal da Educação de Benguela baleado por um agente da Polícia Nacional, inconformado com a recusa da vítima em lhe pagar uma cerveja.

Sim, uma cerveja foi o motivo reles e fútil. Também cumpre o marginal pena nos calabouços.

Em 2015, um agente da polícia, também em Benguela, tinha matado três pessoas a tiro, alegando legítima defesa durante confrontos por conflito de terras. Desconhece-se o desfecho deste caso.

Há cincos anos, no bairro do Alto Niva, zona Alta do município da Catumbela, um agente da Polícia Nacional, de 41 anos, matou a mulher de 21 anos, com golpe de picareta, enquanto dormia, por alegada traição.

O caso revoltante de Lurdes Numa surge poucos dias depois de, no bairro do Quioxe, um outro oficial da Polícia Nacional e estudante de Direito ter sido denunciado por abusos sexuais continuados contra suas três filhas de 1, 2 e 8 anos de idade, alegadamente por razões de ocultismo para ascender na carreira.

O Quioxe, bairro periurbano onde cresci, joguei a bola e conheci o mar ajudando pescadores a puxar redes a troco de alguns “mandongos” (peixes miúdos), começa, não sei por quê, a aparecer pelas piores razões nas notícias.

Nas redes sociais, multiplica-se a onda de indignação com muitos internautas, com destaque para mulheres solidárias com a família a exigirem justiça séria e exemplar contra o padrasto e assassino de Lurdes.

Nos últimos tempos, Angola tem vindo a assistir de forma assustadora ao aumento de casos de abusos sexuais.

Só nos últimos três anos, foram registados nove mil e 869 casos de abuso sexual infantil, dos quais quatro mil e 917 em Luanda, segundo dados do Instituto Nacional da Criança (INAC).

Por isso que a sociedade, cansada, revoltada e preocupada com a brandura da justiça para com os autores destes crimes, pede pena dura de forma a expurgar da sociedade esses lobos disfarçados de ovelhas, por vezes até atrás de uma respeitável farda.

Qualquer cidadão é um potencial criminoso. Mas em se tratando de um agente da Polícia Nacional, que jurou Bandeira e, por isso, consciente do seu dever para com a segurança pública, é deveras inexplicável e motivo de indignação geral.

De qualquer modo, muitos agentes, com a certeza da impunidade, vão cometendo ilícitos. Agridem jornalistas, zungueiras, professores, médicos sem que nada lhes aconteça.

O que falta para se acabar com a impunidade de quem enverga a farda azul (sem ao menos saber o que ela significa), se, pois somos todos iguais perante a Lei?

Se há juízes julgando e condenando pacatos cidadãos, por se manifestarem legitimamente na via pública pelo aumento do preço da gasolina, nas províncias do Huambo e da Huíla;

– Então, que haja juízes e procuradores em Benguela, que coloquem os interesses da Nação acima dos pessoais, para acusar e julgar o subinspector predador sexual que violentou sua enteada até a morte.
Que seja feita justiça!

Ninguém está acima da Lei.

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