O chefe de Estado angolano, João Lourenço, recebe esta quinta-feira à noite, o seu homólogo francês, Emmanuel Macron, para a sua primeira visita ao país. Em entrevista exclusiva à RFI, João Lourenço aborda as grandes questões geopolíticas do momento, em Angola, mas também, na República Democrática do Congo, no Chade, na República Centro-Africana e, inevitavelmente, as relações entre Luanda e Paris.
RFI: Senhor Presidente, bom dia. Esta é a primeira deslocação do Presidente francês Emanuel Macron a Angola, uma viagem que foi adiada por causa da pandemia. O que é que podemos esperar desta visita?
João Lourenço, Presidente de Angola: Bom, embora seja uma visita curta, de poucas horas, mas de qualquer forma em termos de importância política para nós é bastante importante. É uma visita há muito esperada, que não aconteceu pelas razões que acabou de citar, mas costuma-se dizer antes tarde que nunca. O que nós esperamos como resultado desta visita é que a presença dele aqui signifique o reforço das relações de amizade e de cooperação entre os nossos dois países, Angola e a França.
A França quer ajudar na diversificação da economia angolana. Quais são os sectores chave deste reforço de cooperação, o sector da agricultura, o sector petrolífero? Qual é o valor acrescentado da França? O projecto de um eléctrico para Luanda, por exemplo, da Alstom?
Bom, quando nós falamos na diversificação da nossa economia, estamos automaticamente a excluir o sector dos petróleos. Portanto, no sector dos petróleos, a França está muito bem presente em Angola há décadas. Mas, nos últimos anos a aposta de Angola é continuar a explorar o petróleo e gás, mas prestar particular atenção nos outros sectores da economia. Isso já está a acontecer, felizmente, talvez não na medida do que seria desejável, e da parte da França nós contamos com investimento privado francês em praticamente todos os sectores da economia fora do sector petrolífero. Destacou a agricultura, portanto, a agropecuária, a transformação dos produtos do campo, mas também gostaríamos de ver investimento francês em outras áreas, nas pescas para dar emprego e outros sectores da nossa economia, sobretudo na produção de bens que possam ser não só do consumo interno, como também de exportação.
Quanto à diversificação da economia, garantiu que o país criou uma nova estratégia para o sector petrolífero com resultados positivos. A nova estratégia passa pela aposta da construção de refinarias?
Também. Não apenas, mas também porque nós concluímos não ser normal que um país como Angola, que tem uma grande produção de petróleo, não tivesse tido até há bem pouco tempo capacidade de transformar pelo menos parte do crude que explora. Portanto, Angola tem uma velha refinaria aqui em Luanda que até há relativamente pouco tempo tinha uma produção muito baixa. Nós conseguimos reabilitar essa mesma velha refinaria e hoje está a produzir cinco vezes mais do que produzia antes, pelo menos num produto que é a gasolina. Não tanto no diesel, mas sobretudo na gasolina.
Bom, mas uma coisa é reabilitar uma velha refinaria, mesmo tendo quintuplicado a sua produção, outra coisa é ter novas refinarias. Então, apostamos na construção de uma refinaria em Cabinda que vai produzir a partir de Dezembro do corrente ano 30.000 barris/dia numa primeira fase e depois, numa segunda, mais 30.000 barris/dia; uma refinaria no Soio com uma capacidade um pouco superior à de Cabinda, serão 100.000 barris/dia e decidimos também retomar um projecto antigo que foi iniciado e que por razões que ninguém entende foi interrompido que é o da construção da grande refinaria do Lobito.
Portanto, Angola nos próximos três anos vai ser autónoma em termos de produtos refinados de petróleo. O nosso objectivo é deixar de importar diesel e gasolina, para além do investimento em fontes renováveis de energia, uma vez que a energia à base de fósseis tem os dias contados, portanto, começam a ficar descontinuados ao longo dos anos. Isto não vai acontecer amanhã mas algum dia há-de acontecer. Portanto, o investimento em outras fontes que vão no futuro substituir o fóssil deve ser feito hoje.
O sector hidroeléctrico, por exemplo?
Não. Em termos de hidroeléctrico não é novidade, não vamos começar agora. 64% da produção de energia eléctrica em Angola já assenta na produção da energia hidroeléctrica. Portanto, Angola tem neste momento três grandes barragens: estou-me a referir a Capanda, Laúca, Cambambe que estão ligadas em rede. Estamos a concluir a maior de todas elas que será – quando ficar concluída – a de Caculo Cabaça, só ela vai produzir mais de 2.000 megawatts de energia. Portanto Angola vai ser, nos próximos anos, auto-suficiente em produção de energia e o nosso desafio é que essa energia produzida em Angola seja maioritariamente de fontes limpas: hidroeléctrica, solar – que também já demos os primeiros passos no solar-, ainda não entrámos na eólica, mas vai acontecer algum dia e muito provavelmente passaremos a ser exportadores de energia.
Dirigiu, na semana passada, em Adis Abeba uma reunião que debateu a situação de paz e segurança no leste da República Democrática do Congo. Porque é que, em seu entender, a paz continua por concretizar?
Começar uma guerra, um conflito armado, pode-se começar de um dia para o outro. É dar o primeiro tiro e começou. Terminar com esse conflito armado, com essa guerra, é muito mais difícil e leva tempo e não vale a pena termos a ilusão de pensar que é fácil e que, de um dia para o outro, pode-se acabar com um conflito. Aliás, estamos a ver agora o caso da Europa, desta guerra Rússia Ucrânia que já lá vai um ano, e ninguém tem em vista no horizonte quando é que poderá terminar. Tudo está sendo feito no sentido de se pôr fim a essa guerra, mas ninguém tem respostas muito credíveis por enquanto.
Com relação ao conflito na RDC, é um bocado o mesmo princípio. Portanto, não termos a ilusão de pensar que amanhã vai acabar. Se fosse possível, seria o ideal, mas a realidade não é bem assim. Nós conseguimos, depois da última cimeira de Luanda, um primeiro cessar-fogo que lamentavelmente foi sucessivamente violado. Estamos a lutar para conseguir um novo cessar-fogo e passar imediatamente ao acantonamento das forças do M23 e consequentemente a reinserção na sociedade congolesa dos componentes do M23.
A cimeira de Adis Abeba incumbiu Angola de manter contactos directos com o M23 no sentido de trabalhar com eles nestas duas matérias: o cessar-fogo e acantonamento. Esses contactos já estão a acontecer ao nível das chefias do M23 com as autoridades angolanas. Não temos ainda resultados, estão a acontecer desde ontem. E a mesma cimeira de Adis Abeba decidiu também que tão logo se consiga o cessar-fogo, deve haver o desdobramento da força regional, da região de África do Leste que é composta por cinco países, dos quais apenas um, o Quénia em concreto, já tem as suas forças no terreno.
Portanto, precisamos de trabalhar no sentido de que os outros países, a Tanzânia, o Burundi, o Sudão do Sul, o Uganda façam o mesmo. Sabemos que há dificuldades em mobilizar recursos para cobrir essa operação de desdobramento, mas o Conselho de Paz e Segurança da União Africana está a trabalhar no sentido de mobilizar esses mesmos recursos.
Durante a cimeira da União Africana, o presidente da comissão da CEEAC considerou que era altura para convergirem as mediações do antigo Presidente queniano da África de Leste e a sua, da União Africana. O que é que foi feito nesse sentido?
Bom, não é apenas a partir desta última Cimeira da União Africana, mas nós já temos vindo a trabalhar de forma bastante coordenada, portanto, Luanda, Nairobi e Bujumbura. Eu acrescentaria também Bujumbura uma vez que é quem tem, neste momento, a presidência da Comunidade dos Estados da África do Leste. Portanto, estes três vértices do triângulo têm trabalhado, já de algum tempo para cá, de forma bastante coordenada porque entendemos que o sucesso desta nossa missão deve ser assim.
Na cimeira da CEEAC a 25 de Fevereiro em Kinshasa foi entregue aos chefes de Estado e do governo um relatório da organização sobre o ataque ao quartel da capital de São Tomé e Príncipe a 25 de Novembro do ano passado que se traduziu em quatro mortos numa suposta intentona. Qual é a posição de Angola e do bloco regional?
Bom, nós não estamos em condições ainda de nos pronunciarmos enquanto os inquéritos que estão em curso não forem conclusivos. Portanto, em princípio nós lamentamos o que aconteceu, são vidas humanas que se perderam, mas não nos queremos precipitar em apontar o dedo a quem quer que seja, sem que se chegue a uma conclusão objectiva das circunstâncias em que infelizmente isso aconteceu.
Após um ano de guerra na Ucrânia, com pressões tanto russas como ocidentais, qual é a posição de Angola para manter um equilíbrio entre as partes?
É errado falar-se em pressões. Nós somos um país soberano e temos a nossa capacidade de análise. Em função dessa capacidade de análise tomamos uma posição. A posição de Angola não é produto do processo de pressão nem de um lado, nem do outro. Nem da Rússia, nem do chamado Ocidente alargado.
Nós condenamos, em princípio, todas as guerras. Angola é um país que viveu décadas de guerra, sabe o que é uma guerra, as consequências de uma guerra, o sofrimento que traz aos povos e o prejuízo que traz às economias. Por estas razões, não desejamos guerra a ninguém, nem desejamos que ninguém seja vítima de uma guerra ou agredido por um país externo. Angola foi agredida por forças externas a norte e a sul, ficámos com um país completamente destruído, que ainda hoje estamos a procurar reconstruir. Portanto, não desejamos isso à Ucrânia e ao povo ucraniano.
Temos, sucessivamente, levantado as nossas vozes no sentido de que a Rússia ponha termo a esta agressão contra o povo ucraniano e que procure chegar a um cessar-fogo imediato, iniciando um processo de negociações que garantam uma paz duradoura, não uma paz efémera. Uma paz não só entre esses dois países vizinhos, povos irmão que falam quase a mesma língua, como se fosse o português e espanhol, que têm uma história comum em muitos aspectos, mas que se desenhe e construa, definitivamente, uma paz duradoura para a Europa, partirizada por duas grandes guerras mundiais.
À sua chegada ao poder o senhor Presidente vincou muito a luta contra a corrupção como sua prioridade. Que balanço se pode fazer agora, quanto à recuperação de activos, por exemplo?
Este processo de recuperação de activos vem sendo realizadas há algum tempo. Infelizmente, a recuperação não está a ser voluntária, salvo várias excepções, as pessoas visadas, os activos que têm estão a ser tirados coercivamente, por força da justiça angolana, mas não só. Temos que reconhecer que contamos com cooperação de outros Estados, aonde esses activos se encontram sediados, da Europa em particular.
O volume de activos recuperados, quer activos físico, quer financeiros ou em participações em sociedades já é considerável. Devo dizer que o Plano Integrado de Intervenção do Municípios (PIIM) que está a construir muitas infra-estruturas nos municípios, escola, pequenas unidades hospitalares e outras infra-estruturas está a ser suportado com recursos provenientes da recuperação de activos. Os tais dois mil milhões de dólares que injectamos no PIIM são recursos da recuperar de activos, para citar apenas este caso. Há outras infra-estruturas como as fábricas têxteis, que estão hoje a trabalhar, a produzir tecido, a dar emprego a jovens é fruto da recuperação de activos. O hotel intercontinental, aqui no eixo viário, é fruto de recuperação de activos e outros inúmeros que não estou condições de enumerar um a um.
É este ano, já sem pandemia, que Angola terá as suas primeiras eleições autárquicas?
O que impediu ou dificultou a realização das eleições autárquicas até à presente data não é a pandemia, não tem nada a ver com a pandemia. É preciso que a verdade seja dita: as autarquias não aconteceram até à presente data porque o pacote legislativo autárquico ainda não está concluído. A verdade nua e crua é esta, tudo o mais que se possa dizer é falta de verdade. Nós estamos num Estado democrático e de direito, as coisas têm que ser feitas com base na lei. O Presidente da República não está em condições de convocar eleições autárquicas enquanto não concluirmos esse pacote legislativo autárquico. Tem que ser na base da lei que o Presidente da República pode convocar as eleições autárquicas. Agora, será em 2023 ou não? Quem sabe.
Como reage às denúncias da repressão de protestos, como foi o caso a 10 de Fevereiro em Benguela e Luanda, manifestações que foram abortadas?
A expressão repressão é muito forte. Não estamos num Estado repressivo, mas temos vindo a constatar nem sempre as manifestações são tão pacíficas como seriam de desejar. O mau seria, como era no passado, nunca haver manifestações. Portanto, as manifestações serem consideradas proibidas, não é o caso. Em Angola as manifestações não estão proibidas e prova disso é que todos os fins-de-semana há manifestações. Há manifestações e manifestações, nem todas são iguais. Nem todas cumprem o que a lei estabelece, algumas são violentas, às vezes até violentas demais contra o património público, contra as forças policiais e, aí, o Estado tem que fazer valer a sua autoridade.
Todos nós acompanhamos o que se passa pelo mundo, no caso das manifestações em Paris com os famosos coletes amarelos, os polícias e os manifestantes não andaram aos beijinhos, houve ali muita cacetada e ninguém falou em repressão. Os manifestantes cumpriram a parte que lhes compete e a autoridade cumpriu a parte que lhe compete. Nos Estados Unidos da América vemos a mesma coisa e nas grandes democracias vemos isso.
É evidente que o ideal será sempre que as manifestações sejam pacificas, que ninguém seja molestado, que não haja feridos, muito menos mortos. A democracia é uma festa e não pode ser, aquilo que diz, repressão. Em Angola não existe repressão e a prova de que não existe é que todos os santos sábados há manifestações em Angola.
O ano judicial deveria ter arrancado esta quarta-feira. Existe uma crise institucional no país?
No país não. Uma crise institucional no país é muito forte dizer isso. Forte demais. O ano judicial devia arrancar esta quarta-feira, ou melhor, o ano judicial arrancou hoje de facto. O que não aconteceu – e porque eu preferi não fazê-lo – é presidir o acto solene que, regra geral, assinala o arranque do ano judicial. A Constituição diz que o Presidente da República profere, neste acto, um discurso. Atendendo aos últimos acontecimentos, nomeadamente, num dos tribunais, eu entendi que, enquanto este assunto não ficar resolvido, eu não devia presidir a esta sessão solene de abertura do ano judicial. Portanto, estou-me a referir concretamente ao que se passa no Tribunal de Contas.
Com relação ao Tribunal Supremo, eu devo dizer que, do que é do meu conhecimento, há alegações de eventuais crimes mas que, por enquanto, nada prova o envolvimento, até agora, do venerando juiz presidente do mesmo tribunal.
De que forma interpreta a retirada da presença francesa de alguns países africanos, como Mali, Burkina Faso, RCA?
Quem tem que tirar ilações desta situação é a própria França. A França é que deve por a mão à cabeça e indagar-se das profundas razões que estão na base desta rejeição, se é que assim se pode dizer, da presença francesa de alguns países, nomeadamente, da região do Sahel. É preciso conversas e falar e se o Presidente Macron, que está aí a chegar, quiser falar comigo sobre esta matéria, tenho a minha opinião que não direi agora mais, mas a ele direi com muito gosto.
O senhor presidente recebeu recentemente os presidentes do Chade e da RCA. O que é possível fazer ou o que é que está a ser feito para estabilizar a fronteira entre o Chade e a RCA?
A instabilidade desta fronteira, hoje não é tão grande quanto era há dois anos. Houve algum progresso e precisamos de trabalhar no sentido de não regressarmos ao passado, em que havia uma forte desconfiança entre os dois países. A RCA acusava o Chade de albergar os grupos rebeldes, que a partir do território chadiano realizavam acções no interior da República Centro Africana. Nós estivemos reunidos há dias, aqui em Luanda, com o objectivo de reforçar os laços de amizade e de cooperação entre os dois países vizinhos e acreditamos que vamos continuar a trabalhar no sentido de garantir uma estabilidade politica e militar melhor naquela fronteira.
Que olhar tem sobre a transição chadiana e as denúncias da repressão de protestos?
Não falamos sobre esta questão porque é uma questão interna do país. Angola está envolvida na situação de estabilidade na RCA, mas não fomos chamados para trabalhar no processo do Chade. O Chade é membro da CEEAC e não da Conferencia Internacional da Região dos Grandes Lagos. Portanto, este é um assunto de uma região cuja presidência não está com Angola, esteve até há dias com Kinshasa, com a RDC, e que passou agora para o Gabão.
Poderá o antigo presidente da RCA François Bozizé deixar o Chade rumo a outro destino africano para o seu exílio? Fala-se em Brazzaville ou em Bissau?
A presença do ex-Presidente Bozizé no Chade é fruto de um trabalho realizado entre Angola, RCA e o Chade no tempo do Marechal Idriss Déby. Angola e o Chade jogaram um papel importante no convencimento quer do Presidente Bozizé, quer de uma boa parte dos grupos rebeldes a deporem as armas. Esse compromisso existe e, a nosso ver, vem sendo cumprido, com excepção de dois grupos que na altura esquivaram-se à negociação e ao diálogo, mas aqueles que por escrito assumiram o compromisso tendo o Presidente Bozizé à cabeça o fizeram e, a nosso ver, vem cumprindo com a parte que lhes compete.
O Chade também cumpriu com a parte que lhe competiu, com o compromisso que assumiram de receber no seu território o Presidente Bozizé. Angola também cumpriu com a parte que lhe compete, mas ele está em território chadiano que mudou de liderança e a actual liderança é livre de querer ou não querer manter Bozizé no seu território.
Quanto ao exílio fala-se em Brazzaville ou em Bissau. Tem alguma informação?
A única coisa que lhe posso dizer é que Angola cumpriu com a parte que lhe compete e daqui para a frente estamos a acompanhar.
Qual a sua percepção quanto à presença de tropas paramilitares Wagner na RCA?
Este é um assunto que nós temos evitado tratar nos nossos encontros com o Presidente Touadéra por considerarmos que é um acordo bilateral que ele fez com esta força. Tudo o que possa acontecer de bom ou de mau fruto deste trato é da responsabilidade do país. O país terá as suas razões do porquê dessa contratação e de resto não nos metemos em todos os assuntos internos da República Centro Africana.