O Tribunal Provincial de Luanda devolveu, recentemente, ao DNIAP, o processo-crime número 48/19-DNIAP que investiga a gestão de Isabel José dos Santos no comando da Sonangol invocando insuficiência de provas para proceder a acusação do Ministério Público.
A petrolífera estatal ao tempo da Presidência de Carlos Saturnino é participante do processo reclamando ter sido lesada em milhões de euros.
“Embora tenha sido exonerado no dia 15, o administrador que velava pelas Finanças ordenou no dia 16 uma transferência de 36 milhões de dólares a partir do banco BIC para Matter Business Solutions DMCC, com sede no Dubai, e esta não foi a única transferência, no dia 17 pagaram-se também quatro facturas”, denunciou o ex-PCA, aos 28 de Fevereiro de 2018.
Carlos Saturnino revelou também pagamentos de salários chorudos na gestão de Isabel dos Santos, levando com que a Procuradoria-Geral da República anunciasse em março daquele ano, ter aberto um inquérito para investigar as denúncias de Saturnino.
A Procuradoria Geral da República, segundo documentos em posse do Club-K, realizou trabalhos de peritagens as contas da Sonangol que compreendem de 26 de de Maio de 2016 a 31 de Dezembro. Porém, depois de concluídos os trabalhos a PGR concluiu que há indícios que Isabel dos Santos cometeu infrações enquanto PCA da empresa, mas admite não ter conseguido juntar factos que possam ser usados contra ela considerando que o processo foi mal instruído no DNIAP e, por conseguinte, terá de ser devolvido para começar tudo do zero.
Isabel dos Santos foi PCA da Sonangol, e enquanto gestora da petrolífera estatal terá realizado transferências para empresas conotadas aos seus interesses tais como WISE, IRONSEA, MATTER, KYC e AML. O Ministério Público notou que foram feitos pagamentos a estas empresas, mas acontece que algumas delas estão legalmente registadas em nome de outras pessoas havendo necessidade de se provar documentalmente que Isabel dos Santos é a beneficiara final. As empresas estão em nomes de eventuais “testas de ferro”.
Segundo argumento da PGR, a Sonangol era governada por um conselho de administração, e assim sendo, todos os membros deste “board” deveriam ser constituídos arguidos. Nas pressas de se mostrar trabalho a PGR apenas constituiu Isabel dos Santos como arguida.
Ao longo das investigações o Ministério Público constatou que muitos dos pagamentos feitos por Isabel dos Santos para as empresas dos seus “testas de ferro”, eram feitos sem deixar rasto da participação da então Presidente. Isabel dos Santos que delegava verbalmente ao antigo Presidente da Comissão Executiva (PCE), Paulino Fernando Carvalho Jerônimo. Os pagamentos eram executados por um administrador não executivo Sarju Raikundalia que tinha amplos poderes inclusive ao do pelouro das finanças.
Foi igualmente notado que quando o Conselho de administração se reunisse para aprovar pagamentos a favor das empresas conotadas a Isabel dos Santos, ela neste dia não votava ou se ausentava. Com isso o seu nome não constava nas actas destas reuniões. Com base nisto o Tribunal, alega que fica complicado responsabilizar Isabel dos Santos por uma decisão em que ela não votou ou não participou.
De acordo com explicação documentada pela PGR, “a PCA [Isabel dos Santos], não decide pelos outros membros, e mesmo em matéria de voto ou emissão de opinião o seu voto tem o mesmo “peso” que os demais, logo as decisões tomadas em reuniões em que todos os demais membros do CA subscrevem as decisões tomadas (mediante voto e assinatura da acta), vincula os mesmos a estas as decisões passando estes a responderem solidariamente pelas decisões tomadas e subsequentes actos praticados”.
No ponto de vista do tribunal, todos os antigos administradores deveriam ser constituídos arguidos do processo, para que em sede de justiça pudessem ser interrogados e os seus depoimentos serem validados como prova verbal, já que não há documento físico a indicar que Isabel dos Santos foi quem ordenou – por detrás – pagamentos para as empresas em nome de alegados testas de ferro. Oficialmente Isabel dos Santos não mandou fazer nada porque o seu nome não consta das actas das reuniões onde determinavam os referidos pagamentos.
No ponto de vista do tribunal de Luanda, a recomendação certa seria recomeçar todo o processo do zero para que todo o conselho de administração seja levado às barras do Tribunal como arguido.
O tribunal, por exemplo, elucida que o antigo administrador Sarju Raikundalia deveria fazer parte do processo já que ele foi nomeado por despacho presidencial como administrador não executivo, mas exercia ilegalmente competências de um financeiro conforme mandatado e lavrado em uma acta do Conselho de Administração número 05/2016 datada de 9 de Julho de 2016.
Sarju Raikundalia respondia pelos pelouros relativos à Direcção de Finanças, Direcção de Planeamento, Direcção de Sistemas Informáticos, Direcção de Tecnologias de Informação, Gabinete de Relações com o Estado e Fiscalidade, Unidade de Gestão de Processos, Fundo de Abandono, Direcção Central de Logística, Direcção de Gestão de Risco da Sonangol Vida.
Todas estas tarefas, foram-lhe atribuídad pelo Conselho de administração passando por cima do decreto presidencial que o nomeou para o referido cargo.
“É flagrante a ilegalidade das atribuições de gestão corrente a um Administrador não Executivo, pois viola o Decreto Presidencial através do qual o mesmo foi nomeado, não tendo o CA/PCA poderes para se sobrepor ao referido Decreto Presidencial”, lê-se no documento da PGR, considerando que desta forma “o Conselho de Administração excedeu as suas competências e violou grosseiramente o disposto no Decreto Presidencial n.° 120/16, de 3 de Junho, bem como o disposto na Lei do Sector Empresarial Público sobre esta matéria”.
O ministério público, admite que todos os actos praticados por Sarju Raikundalia não são NULOS, porém são ANULÁVEIS. Entendem porém que todos aqueles que deliberaram favoravelmente a atribuição de poderes executivos ao Sr. Sarju Raumikundalia (todos os membros do CA) deverão ser solidariamente responsáveis.
Português de origem indiana, Sarju Raikundalia já não se encontra em Angola desde que João Lourenço subiu ao poder.
O Tribunal segundo fonte do Club-K reconhece que há indícios contra o antigo administrador financeiro Sarju Raikundalia, mas ele não pode ser criminalmente responsabilizado por não ser arguido neste processo. Segundo fonte da PGR, uma vez que não há documentos assinados por Isabel dos Santos a orientar pagamentos, o antigo administrador Sarju Raikundalia tinha de ser constituído arguido logo no inicio do processo para que ao depor ele pudesse revelar quem dava-lhe verbalmente as “ordens superiores” para executar pagamentos.
O mesmo acontece com Paulino Fernando de Carvalho Jerónimo que na sua qualidade de Presidente da Comissão Executiva da Sonangol assinou documentos a favor das empresas do universo de Isabel dos Santos, dentre as quais a distribuição de dividendos envolvendo a Esperaza, acordado por este gestor a 31 de Agosto de 2017.
Paulino Jeronimo, em resposta a uma carta da empresa EXAM de Sindika Dokolo datada de 30 de Junho de 2017, assinou um documento a propor que os pagamentos que estes deviam a Sonangol pudessem ser feitos em kwanzas até finais de outubro daquele mesmo ano. Quando Carlos Saturnino assumiu a liderança da empresa levou este caso a tribunal alegando que queria os dividendos em divisas conforme o conteúdo do contrato firmado entre as partes.
Paulino Jeronimo é presentemente o presidente do Conselho de Administração da Agência Nacional de Petróleo e Gás. Para ser constituído arguido e se apresentar em tribunal, o PR teria de exonera-lo do cargo que exerce, o que causaria igualmente embaraços para João Lourenço que o recuperou para o seu executivo.
CONTRATOS DE TRABALHO E FOLHA SALARIAL “PARALELA”
A PGR notou igualmente que “os mesmos membros do CA, nomeados pelo Despacho Presidencial n.o 120/16, de 3 de Junho, para exercerem funções de administradores executivos e não executivos, são partes contratadas subsequentemente ao abrigo de contratos individuais de trabalho, sendo que os membros de órgãos sociais, incluindo os de CA, estão sob mandato dos acionistas, não havendo uma relação laboral de subordinação”.
Deu conta da existência de contratos de trabalho celebrados que os próprios permitia os membros do conselho de administração a “um significativo aumento das remunerações até então estabelecidas e auferidas pelos membros do CA”.
Foi também verificado a existência de uma folha de processamento salarial «paralela», designada por “MANDANTE 100”, na qual eram incluídos os membros do CA e alguns Directores, estes também contratados já pelo novo CA, cujas posições não se encontravam previstas no organograma da empresa.
A PGR considera que com isso, houve “a intenção de se ocultar quer o aumento salarial dos membros do CA, quer as remunerações das novas contratações ao nível das posições de Direcção estranhas ao organigrama da empresa”.
Deste modo, segundo a PGR “os contratos de trabalho assinados consigo próprios, em que os membros do CA assinam na qualidade de empregador e na qualidade de trabalhador são nulos, devendo todos os valores auferidos em excesso ser reintegrados aos cofres da empresa pública”.
Com estas praticas a PGR considera os membros do CA lesaram os cofres de Estado ao receberem salários paralelos, e para um julgamento justo teriam de ser todos constituídos e não apenas Isabel dos Santos, por isso que reiteram que o processo foi todo ele mal instruído e teve de ser devolvido ao DNIAP para começar do zero, de modo a se constituir como arguidos todos os administradores que fizeram parte da “festa” na Sonangol.
Para concluir, a investigação da PGR considera que, “em termos conclusivos, existirem indícios de uma gestão Premeditadamente danosa por parte Conselho de Administração da Sonangol E.P, no período em análise, bem como pelo então Conselho Fiscal porquanto órgão cujas competências se espelham no art.o 50o, alínea a) b) c) d) e e) , da Lei que estabelece o regime jurídico do sector empresarial publico, Lei n.o 11/13 de 3 de Setembro, bem com de todos os referidos no presente relatório, se não em associação criminosa, pelo menos sob a forma de cumplicidade, mas com especial censura relativamente à PCA da Sonangol E.P. então em exercício, pois em todas as situações descritas e factos aduzidos, a Sra. Isabel dos Santos é sempre a peça em comum, a argamassa, quer entre as pessoas individuais, quer entre as pessoas colectivas, em toda a teia já descrita, cujo principal objectivo foi indubitavelmente o desvio para benefício próprio e de terceiros de avultadas quantias monetárias, sobretudo em moeda estrangeira, com destino a contas no exterior do país, dos cofres da Sonangol E.P., lesando assim o Estado Angolano no valor de 68 milhões de euros”.
Vale lembrar que os trabalhos de peritagem deste processo contra a gestão de Isabel dos Santos, foi baseada nos seguintes pontos:
1 – Análise da legalidade e apuramento dos valores auferidos como remunerações pelos membros do CA, bem como membros da Direcção, cujas posições são estranhas ao organigrama da empresa.
2 – Análise da legalidade dos pagamentos efectuados à empresa WISE pela Sonangol EP;
3 – Análise da legalidade dos actos praticados pelo Conselho de Administração e pelo então Administrador Não Executivo SARJU RAIKUNDALIA;
4 – Análise de existência de possíveis conflitos de interesses no processo de adjudicação e contratação das empresas para prestações de serviços de Auditoria e consultoria à SONANGOL EP;
5 – Análise e apuramento do montante global dos pagamentos efectuados às empresas WISE/IRONSEA/MATTER;
6 – Análise e apuramento do montante global dos pagamentos efectuados às empresas PWC, BCG e KORN FERRY;
7 – Apuramento do total das perdas ocorridas na comercialização do produto refinado abaixo do valor estabelecido (Empresa Monjasa).
Segundo apurou o Club-K, as autoridades decidiram não tornar público a informação sobre a devolução do processo para não expor as lacunas ocorridas durante a instrução preparatória. De lembrar que o arresto dos bens de Isabel dos Santos foi baseado neste referido processo que agora terá de começar do zero.
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Fonte: Club K