Adalberto Costa Júnior acusa MPLA de gastar 1,9 mil milhões de dólares na campanha eleitoral

Durante a conferência de imprensa desta sexta-feira, Adalberto Costa Júnior acusou o MPLA de gastar 1,9 mil milhões de dólares [cerca de 1,8 milhões de euros] com acções de campanha, um montante superior ao permitido por lei. Por que é que só agora vai fazer essa denúncia às autoridades? O que espera com isso?

Eu não acusei o MPLA. Depois das eleições, sentimos necessidade de entender os custos de campanha do MPLA por uma questão até de moralização das disputas eleitorais e de pedagogia em termos futuros. Até porque isto é a negação absoluta da competição leal no processo eleitoral. Foi constituído um grupo de trabalho com membros da sociedade civil, com maturidade e esse grupo só concluiu o seu trabalho no princípio desta semana. Portanto, só recebi agora uma cópia de um documento bastante fundamentado. Decidi torná-lo público porque ele está com credibilidade bastante. Este número não são as majorantes, são as minorantes. É bem possível que seja um valor maior. Aliás, o valor que gastaram não surpreende quem acompanhou a campanha, basta olhar para alguns exemplos para se perceber que foi um escândalo.

Pode dar um exemplo?

Mais de 300 autocarros em cada comício, a transportar gente de todas as províncias envolventes para os locais de comício, permanentemente em mobilidade. Se for fazer o custo destes autocarros, isso foi pago com que dinheiro? Houve viaturas distribuídas em todos os municípios, capitais provinciais, em todo o país, são milhares de viaturas com um preço muito elevado. O material de propaganda que inundou o país de norte a sul, que começou muito antes da campanha, o uso e abuso dos tempos de antenas das televisões, das rádios, da imprensa? Tudo isto tem custos, os segundos pagam-se.

O que vai fazer com este estudo?

Vou pedir que me sejam dado todos os elementos sustentáveis desta investigação. Penso que isto interessa a todos os angolanos e, muito em particular, às instituições que têm a responsabilidade de fiscalizar os atos — fiscalizar a constitucionalidade dos atos e a competitividade dentro de um ambiente democrático.

Vai entregá-lo a que órgão?

Seguramente, podemos solicitar a intervenção da Procuradoria-Geral da República, podemos solicitar a intervenção das Comissões de Especialidade da Assembleia Nacional. Mas não é só no plano interno que estes estudos podem ter o seu efeito. O Banco Mundial deu verbas a Angola que foram utilizadas para a compra de voto no programa Kwenda, por exemplo, que não pode ser deixado de lado. Quando um país que tem fome, que tem desemprego, que pede dinheiro a toda a hora fora e que se dá ao luxo de gastar na campanha de um partido verbas bilionárias como esta, [este estudo é] uma chamada de atenção da necessidade de moralização nas relações entre países e este tipo de procedimentos de âmbito absolutamente criminoso. Há uma grande quantidade de eventuais espaços de intervenção e portanto tudo é consequente e nada foi dito aqui [na conferência do IED) por acaso.

Falou no Banco Mundial na sua intervenção desta sexta-feira. Disse que o Banco Mundial e outras organizações eram coniventes com o regime de João Lourenço. Estava a referir-se a estes gastos de campanha?

Também. Sem dúvida. Quando estas instituições entregam dinheiro a um país que depois o transfere para usos de âmbito partidário e tem representantes que não fiscalizam em profundidade — porque o uso destes fundos foram excessivamente públicos, porque quem os recebeu (muito em particular no mundo rural) foi obrigado a subscrever o cartão partidário, foi um voto endereçado — estas questões devem merecer uma mudança de procedimento. A nós compete-nos fazer uma chamada de atenção, não na busca de protagonismo, mas para intervir no sentido de uma moralização dos procedimentos, até porque neste caso concreto é um programa dedicado a tirar da extrema pobreza as famílias angolanas.

Há provas de que foi dinheiro do Banco Mundial foi utilizado para esse fim?

Há provas, há. Há números claros das famílias a que foram direcionados estes fundos e há provas claras de que foram partidarizadas. Portanto, há 1000 vozes que podem vir dar voz de que “para receber tive de assinar”. Felizmente para nós, estas questões não devem ser do conhecimento exclusivo de um partido político. Também são conhecidas por organizações da sociedade de grande credibilidade, as próprias Igrejas, que têm um profundo conhecimento destas matérias e partilham reflexões com regularidade que apontam para o mesmo tipo de objetivo da nossa intervenção.

Vai fazer alguma coisa com este estudo junto do Banco Mundial?

É natural que possamos e devamos mesmo partilhar este estudo com as instituições que acompanham os passos de Angola. E partindo da sua pergunta para o que se passou na IED que foi rico, com muitas presenças africanas, com ilustres membros com grande responsabilidade institucional de vários países mas também com instituições americanas e europeias, numa boa oportunidade de refletir sobre a realidade africana, o quanto práticas de regimes autoritários põem em causa o destino de povos, o quanto países ricos não direcionam ao seu povo as suas riquezas.

Na conferência, apelou a que o Parlamento português não fechasse os olhos a atos inconstitucionais. Do que é que fala e o que pode fazer o Parlamento?

Nós vivemos num mundo global, em que ninguém se põe à margem desta interação que, no caso de Portugal, até é mais concreta, se falarmos de Angola. E foi disso que eu falei. Ora, nós tivemos uma experiência muito recente da realização das eleições em Angola e, infelizmente, elas decorreram num ambiente escandalosamente antidemocrático, em absoluto. Quando, no decurso destas eleições, se toma o poder e a governação produz violações de direitos humanos com uma grande quantidade de pessoas a ter de abandonar o país, para salvaguardar as suas vidas, que é o cenário que está hoje multiplicado por muitos cidadãos, infelizmente muitos deles muitos jovens?

Por uma questão económica?

Por uma questão de liberdades, fundamentalmente, e desrespeito pelos direitos deste tipo de pessoas, que por terem escolhido ativismo cívico se tornaram alvo dos serviços e instituições partidárias do país. Quando isto ocorre logo a seguir a umas eleições, quando nós vimos o início de uma governação que continua a usar e a abusar da contratação simplificada, da receção de fundos até americanos, por exemplos, destas novas parcerias para a energia, e estes fundos são entregues às empresas dos amigos, sem concursos, também os americanos começam a ter a necessidade de refletir sobre as parcerias que têm encontrado. Isso hoje são factos reais. Esteve em Angola um alto dirigente [norte-americano], segundo a imprensa não pública, que expressou preocupação pelo destino dos fundos, que Angola não tem sabido utilizar devidamente. Quando estas questões ocorrem, fundamentam substantivamente as nossas intervenções e chamadas de atenção, no sentido de procurarmos as comunidades e o benefício da governação exatamente para o povo. Só há boa governação quando o povo tira daí benefícios. Quando não os tira, temos todas as razões para apelar à mudança de comportamentos.

Mas o que podia fazer a Assembleia da República?

Neste mundo global, parece que os direitos são universais, a democracia é um conceito universal, o Estado de Direito também é e, inclusive, os relacionamentos de âmbito histórico. Portugal tem seguramente em Angola muitos interesses e eu penso que, independentemente dos interesses de Estado que muitas vezes fazem fechar os olhos a determinadas práticas, nós somos sempre aqueles que apelam aos valores morais, aos valores éticos e o Parlamento português não está imune a que lhe seja solicitada a atenção à descontinuidade da aplicação da legalidade das constituições. Há uma interrupção constitucional?

Está a dizer que Portugal fecha os olhos à questão ética por causa dos seus interesses em Angola?

Parte dos observadores que estiveram em Angola [nas eleições gerais] foram portugueses e participaram num esquema vergonhoso de silenciar a violação a direitos universais e a violação absoluta a conceitos que em Portugal estas pessoas não se atrevem permitir que ocorram. Temos de moralizar estas questões. Se as pessoas não se impõem limites, nós devemos mostrar-lhes que aquele não é o caminho. Também há observadores portugueses que foram para Angola fazer fretes de forma muito clara, não devemos ter problemas em afirmá-lo.

Recentemente o Presidente português disse ter ficado “muito feliz” com a visita do Rei de Espanha a Angola. Como é que avalia a atitude de Marcelo Rebelo de Sousa relativamente ao governo de João Lourenço?

Bom, o Presidente português passou por Angola recentemente duas vezes e por duas vezes convidou-nos para audiências, procurando seguramente — na primeira visita interpretei-o dessa forma — passar alguma indicação positiva da pluralidade das relações num país que por hábito não o pratica. Eu pensei que, de facto, esta foi uma iniciativa de âmbito positivo, no sentido de educar o governo angolano ao diálogo plural e interno — foi um aspeto positivo. Não deixa de ser um fator de especulação também o facto de, quando em presença portuguesa, nos discursos públicos, [Marcelo] não se ter saído muito bem dos encontros com João Lourenço. Em Angola, foi sempre muito aplaudido, [mas] nos últimos tempos tem sido alvo de enormíssimas críticas. Acompanho a opinião pública portuguesa, creio que aqui mereceu igualmente um tratamento não muito simpático. Como homem atento que é, fica-lhe a necessidade de olhar para esta realidade e tirar as suas conclusões. No segundo encontro em Angola, [Marcelo] voltou a convidar-nos e partilhou leituras, enfim, a conversa foi muito franca. Mas penso que não devemos a nenhum nível impor posicionamentos, aliás, cada país trata de defender os seus interesses muito pontuais, mas não deixa de existir muitas vezes o excesso de alguma hipocrisia do âmbito político — não é comum dizer estas coisas. Amanhã muda-se o poder e depois muda-se totalmente as vontades. É preciso moralizar.

Tem sido essa a tradição do regime português, uma espécie de postura hipócrita em relação a Angola?

Sim, tem sido essa a tradição. Sabe que Angola tem interesses grandes, as suas reservas estratégicas de petróleo, de gás, de diamantes, de minérios amplos, atrai parcerias. Muitas vezes alguns amigos meus dizem-me que Angola pratica a diplomacia do barril, com poucas preocupações sobre os direitos e o Estado de Direito. Muitos países não se preocupam muito em acautelar esse tipo de relacionamentos. De Portugal esperamos efetivamente o contrário, que se preocupe, até pelo carácter histórico das nossas relações e pela proximidade dos povos.

O que não tem acontecido até aqui?

Muitas vezes, não. (risos)

Fez esta sexta-feira um ano que a guerra na Ucrânia começou. Como é que avalia a resposta angolana a este conflito?

Uma grande confusão do governo. Vou revisitar os posicionamentos assumidos: a guerra começou em fevereiro de 2022. Em março, o grupo parlamentar da UNITA apresentou na Assembleia Nacional uma resolução que criticava a Rússia pela invasão e a bancada parlamentar do MPLA votou contra, portanto, numa posição muito clara de contrariedade absoluta daquilo que foi o posicionamento da maioria dos países ocidentais. Em outubro, [o MPLA] fez uma cambalhota e inverteu em 180 graus o posicionamento expresso no início do ano. Este é o posicionamento do governo angolano, que continua a ter algumas dificuldades em explicar-se, porque a perceção que se tem é de que não está a conseguir junto dos seus tradicionais aliados também justificar este seu posicionamento.

Está a falar da Rússia e da China?

Estou a falar da Rússia. A China é um parceiro recente, até talvez um parceiro antigo no âmbito da UNITA (risos). A China não é um parceiro estratégico de Angola há muitos anos.(risos)

A visita do chefe da diplomacia chinesa não prova o contrário?

Da diplomacia chinesa ou da russa?

Dos dois.

Da diplomacia russa, fundamentalmente. Segundo aquilo que é o modo de fazer informação em Angola, que é o mujimbo (boatos), a imprensa pública pouco informa. As televisões nada informam, são comandadas pelo poder político e estão fechadas à pluralidade da comunicação. É aquela imprensa hoje sustentada por iniciativas na internet que traz dinâmica plural na informação mas que com raras excepções acabam por antecipar a boa informação. Aí diz-se que houve um puxão de orelhas da diplomacia russa aos seus parceiros com exigência de clarificação sobre posicionamentos. É um debate interno [no governo e no MPLA] que não deve ser muito fácil, porque o que se ouve dizer é que as hierarquias, todas elas formadas [academicamente] de um lado [na Rússia e no antigo bloco de Leste], não estão a reagir muito bem a estes posicionamentos, que alguns estão a ser explicados como mero oportunismo político. Alguns dizem que foi a forma de conseguir a continuidade da governação, através de um fechar de olhos de uma potência para que tal acontecesse. É o jornalismo do mujimbo, mas que quase sempre acerta, o tempo acaba por trazer a confirmação dessas tendências. O governo de Angola não tem tido uma posição muito coerente.

Como avalia as relações entre Angola e Rússia?

Não posso ser a expressá-las, porque não sou embaixador. Eu não devo comentar aquilo que são os resultados daquela que é a boa relação entre a UNITA e as embaixadas que estão em Angola. Não estou estou autorizado a trazer a público aquilo que ouvi do embaixador russo quando passei pela embaixada. De facto, aquilo que se vislumbra e é público é que houve [em Angola] uma transição do espaço soviético para o espaço norte-americano com a descontinuidade de práticas: a não assunção da exigência do respeito pelos direitos humanos, a transparência, a boa governação, a economia de mercado — porque Angola não pratica uma economia de mercado, pratica uma economia absolutamente centralizada com comando político sobre questões que contratariam o habitual posicionamento das economias liberais, dos países do Ocidente. Portanto, há alguma, diria, contradição entre opções, posicionamentos e alinhamentos que não são comuns e que não são lógicos. Esta é uma realidade com que temos de conviver e que tem consequências muito negativas para todos nós.

Voltemos à política interna. Eleições autárquicas, vão acontecer, quando é que vão acontecer, qual é a sua expectativa, qual é a sua aposta?

Os angolanos já perceberam que o MPLA tem medo de realizar as eleições locais e este medo ficou amplificado com o que aconteceu com as eleições gerais. Luanda apresentou um claro resultado favorável à UNITA, assim como Benguela, Lobito e uma série de municípios pelo país fora. Há uma nova estratégia político-administrativa que o governo angolano está a anunciar para retardar as eleições — e é um absurdo completo. Nós temos hoje 164 municípios no país e a posição tradicional do MPLA é recusar eleições em simultâneo nos 164 municípios. E porquê? Porque diz que os municípios devem ter autonomia do financiamento das suas instituições. O que é que o partido quer dizer com isto? Quer dizer que quando um município faz eleições, elas só devem ocorrer quando tiver uma base industrial, uma base de cidadãos que tem contribuições fiscais suficientes para fazer funcionar a administração desses municípios. Isso é uma completa parvoíce. Mas se não são capazes de materializar eleições em 164, como é que serão capazes de fazê-lo naquilo que estão a fazer hoje, que querem aumentar os municípios para 581? Não sei de onde vem esta ideia, mas é apoiada e sustentada pela presidência angolana, que quer levá-la à Assembleia para quadriplucar, quase, os municípios do país.

Acha que é uma tática para não ir a eleições?

Se em 164 não se pode, em 581 como é que será? É um claríssimo indicador de que o MPLA não está à altura dos desafios, não está à altura de corresponder às expectativas que os angolanos mais têm. Não há algo que mais se pretenda em Angola que a transformação do poder absolutamente vertical que hoje existe e a transferência de uma parte do poder para o cidadão e torná-lo horizontal. O cidadão continua a pressionar, há movimentos sociais que estão muito fortes em termos de exigência de realização das autárquicas. Temos a posição da igreja católica que terminou esta semana uma reunião e onde aconselha claramente a realização de poder local e onde também desaconselha a divisão política-administrativa que o governo abraça. São espaços de grande importância, de grande credibilidade, de grande proximidade das comunidades e são indicadores claros das costas viradas, vou dizer mesmo assim, entre as opções de quem está hoje a governar e a esmagadora maioria dos cidadãos.

O MPLA alega que, neste Orçamento do Estado que foi recentemente votado, colocou verbas para a realização de eleições autárquicas. Como é que vê isso?

(risos) Bem, ninguém as viu. (risos) Ninguém as viu, portanto, não sei como é que o MPLA alega, se elas não estão lá, não existem.

Não estão no Orçamento?

Não estão no Orçamento. E por não estar, no debate final do Orçamento, se houve assunto claro pelo qual o governo e o MPLA foram profundamente criticados foi pela inexistência da planificação das autarquias locais.

Qual é a grande aposta da UNITA neste momento?

Terminado o diferendo eleitoral, o presidente da UNITA foi ao Palácio [Presidencial de Angola] com uma só razão: [perceber] o que seria possível construir-se em comum para o futuro no interesse da realização de Angola e dos angolanos e das promessas que ambos fizemos na campanha eleitoral. Infelizmente, não encontrámos nenhuma disponibilidade, resposta concreta. Não temos sobre isto nenhuma dúvida: nós pensamos que é perfeitamente possível governar e acordar sobre elementos de interesse comum quando está em causa o interesse nacional. Para a UNITA, a realização do poder local é absolutamente incontornável, é um fator propiciador de estabilidade, de desenvolvimento, de melhoria de governação, de proximidade, de combate à corrupção, porque diminui as distâncias entre governante e governado.

O poder local é, sem dúvida, um instrumento fundamental para enfrentar os desafios que Angola tem hoje e no combate da pobreza. Também nós temos prioridades partilhadas, nós temos dramas completos ligados à extrema pobreza no país e à necessidade absoluta de termos programas de empoderamento das populações, em particular aquelas dos ambientes rurais e das periferias urbanas que vivem um drama sem limites. Não se vislumbra nada que possa efetivamente alterar este quadro.

Continuamos a ver um desperdício absoluto de verbas. Dou só um pequeno exemplo: o orçamento que surgiu para este ano conta com a dívida pública ainda a conter cerca de 50% da disponibilidade orçamental. Uma parte substantiva é para pagar dívida interna. E que dívida interna é esta? São bancos internos que financiam o Estado e que recebem de forma escandalosa em relação àquilo que emprestam. Os juros são verdadeiramente escandalosos e é uma via indireta de financiar a corrupção e os governantes, uma vez que são os proprietários destes bancos negociando em causa própria. É um escândalo absoluto, porque na realidade quem paga é cidadão. Há uma continuidade no incentivo da corrupção.

Nada mudou em Angola?

Nada mudou. Desde que o Presidente da República assumiu de novo o poder, continua a transferir para quatro ou cinco empresas aquilo que é a contratação sem concursos públicos, com verbas elevadíssimas. E portanto isso dá-nos a indicação de que é um incentivo à corrupção.

Sou deputado e faço parte de um clube internacional de deputados contra a corrupção que tem formação permanente, que visita as instituições internacionais de âmbito financeiro e ensinam claramente que o maior incentivo à corrupção é a inexistência de concursos públicos. É a maior fatia que desvia do Estado e do erário público, do interesse de todos, dinheiros para os bolsos da corrupção e dos incentivadores. E isso diz-nos que em Angola, o maior incentivador da corrupção acaba por ser o Presidente da República com as suas práticas. Quando falamos nestas questões, elas não são agradáveis, mas é melhor fazê-lo para ver se pelo menos se reveem ou se alteram estas condutas, que não fazem parte da boa governação, da transparência. Acabam por utilizar de forma incorreta verbas que poderiam servir imensos problemas que o país tem. Infraestruturas que o país não têm, escolas que o país não têm, hospitais que o país não consegue levar de um ambiente urbano para a globalidade das comunidades? Continuamos a ver os anos a passar. Repare que vivemos o maior período de paz — 2002 a 2023 são 21 anos — mas não houve substancial mudança do tecido social. Pelo contrário. Há uma degradação acentuada desta realidade.

A conferência desta sexta-feira permitiu fazer também alguns balanços importantes. As organizações internacionais, nomeadamente os parlamentos da União Africana, o Parlamento Europeu, o Congresso e o Senado norte-americano, são os órgãos com maior visibilidade e têm medidas punitivas muito duras contra os golpes militares, porque eles interrompem a aplicação das constituições e causam imensos dramas, enfim, tremendos. Não há nenhuma diferenças das causas entre os golpes militares e os golpes institucionais.

O que vivemos em Angola foi um golpe institucional e um golpe eleitoral e a descontinuidade da aplicação da Constituição com instituições partidárias a darem legalidade — e não legitimidade, porque não a têm — a quem se encontra a governar. E isso é um drama enorme, porque governar sem legitimidade também tem muitas consequências. Hoje, de uma forma generalizada, dentro e fora do país, olha-se para o governo de Angola e todos sabem que ele não tem legitimidade para governar. É um drama muito grande. A conferência desta sexta-feira aconselhou, refletiu e vai proporcionar-nos trabalhar juntos destas instituições, no sentido de serem melhorados os aspetos legais, de pedagogia e de ação concreta que restrinjam a disponibilidade com que alguns governos auto-organizam eleições, se auto-elegem e se continuam no poder com consequências dramáticas. São consequências idênticas àquilo que resulta dos golpes militares.

Quando a UNITA aceita tomar posse na Assembleia Nacional não está de alguma forma a legitimar os resultados eleitorais?

Estas questões não são lineares nem simples. Infelizmente. A alternativa que existia, que foi debatida, que foi refletida, que foi partilhada em todo o país, era uma opção seguramente pior. Temos um ciclo de cinco anos e temos de procurar contornar as dificuldades que encontramos e fazer melhor no futuro.

Qual era a alternativa de não ir para a Assembleia?

A interrupção da normalidade do funcionamento do país, é indiscutível. E quando nós vimos o aparato bélico de quem que diz que ganhou, mas que colocou na rua tanques, mísseis, um poder repressivo, não tenho nenhuma dúvida de que provavelmente as vozes — poucas, direi mesmo — que nos apontam o dedo seriam as primeiras a apontarem o dedo em sentido contrário, se fôssemos por outra via. Temos maturidade, e também conhecemos o sentimento maioritário das populações, porque a UNITA teve o cuidado de ir a instituições do país, de debater com a sociedade, antes de tomar a posição. Nós indiscutivelmente encontrámos uma sociedade esmagadoramente numa posição de nos aconselhar a não partirmos para aquilo que alguns — e eu respeito — gostariam que se fizesse, que é a voz de levantamentos e a contestação extrema do poder e da legalidade atribuída, mas que é uma legalidade que foi reconhecida inclusive pela comunidade internacional. E, portanto, aqui há que ser pragmático.

O que está a dizer é que evitou um banho de sangue?

É indiscutível. Ninguém tem dúvidas disso. Veja o que aconteceu no Brasil [Invasão da Praça dos Três poderes por apoiantes de Bolsonaro que não aceitaram os resultados eleitorais]. Se fosse em Angola, a expressão seria muito mais acentuada. Angola saiu de um período muito longo de anos de guerra e anos que deixaram muitos traumas, anos que deixaram consequências terríveis a todas as famílias. Quando fomos auscultar o país percebemos bem que as vozes que nos apontaram o dedo não eram maioritárias.

Falemos da UNITA. Há rumores de que tem havido uma certa cisão e divisão entre a ala mais tradicional do Huambo e uma ala mais aberta do Bié. Esses rumores correspondem à verdade?
Interessa ao regime vendê-los permanentemente. A UNITA está bem e recomenda-se. Nós fomos obrigados a repetir um Congresso e, se essas divisões fossem efetivas, tinha aparecido um candidato alternativo a disputar a liderança, mas não apareceu. E não apareceu porquê? Porque entendeu que não tinha espaço para ganhar, o que é mau. Eu fui penalizado pela não materialização do espaço de competição e de pluralidade, que é uma prática nossa.

Mas estamos a falar de uma divisão que continuou na campanha eleitoral e depois eleições, face a uma UNITA que se abriu à sociedade civil.

A UNITA abriu-se à sociedade civil pela primeira vez desde que o Presidente que está a ser entrevistado se candidatou. Não mudou nenhuma estratégia, a visão estratégica passou a ser completamente implementada e, portanto, não houve mudança de rumo.

Então, não há nenhuma tensão dentro da UNITA?

Não tenho nenhum problema a esse nível. Há estabilidade na gestão das questões. Temos a boa prática de procurarmos a pluralidade quando terminam os mandatos, temos respeitado os prazos e na UNITA há três níveis que são obrigatoriamente supridos por eleição: é a liderança do partido, a liderança da juventude e também a liderança das mulheres.

Nelito Ekuikui, candidato à liderança da JURA. (DR)

Mas a liderança da juventude da UNITA esteve agora envolta em polémica, na JURA (Juventude Unida Revolucionária de Angola)?

Não sei em que tipo de polémica.

De alguma pressão da direção do partido para que se votasse em Nelito Ekuikui?

Houve múltiplas candidaturas e estas obedecem a princípios estatuários. Quando um candidato não tem o tempo para concorrer, pode chamar-lhe polémica. Se uma comissão de mandatos tem um candidato que o estatuto diz que tem de ter dez anos, mas ele só tem oito, a interpretação pode ser polémica. Para nós, pode apenas significar respeito pelos conteúdos internos e pelos documentos estatutários.

Neste caso, há dois candidatos?

A corrida continua, os dois candidatos estão em campanha, os candidatos que não supriram condições foi por razões absolutamente estatuárias, não conseguem provar o contrário. Houve fundamentalmente duas questões que eliminaram candidaturas: a primeira foi terem 10 anos de militância — alguns não tinham. A segunda tinha a ver com idade. A JURA diz que um membro da JURA tem de ter 18 a 35 anos e uma série de candidatos tinham 40 anos. Se isto traz polémica? Eu vejo que isto traz respeito aos estatutos.

É verdade que só os jovens que estão em Luanda podem registar-se e votar?

São as especulações que se dizem a toda hora e que depois levam a que se façam notícias de questões infundadas?

Por isso é que lhe estou a colocar a questão?

O que eu lhe digo é que, de facto, este género de questões não tem nenhum cabimento, na medida em que os estatutos nem de perto, nem de longe, citaram essa circunstância. Qualquer membro, independentemente de onde viva, pode candidatar-se, desde que os princípios estatuários o permitam. Pode candidatar-se qualquer membro da JURA que tenha a idade dentro dos limites, que tenha 10 anos de militância no partido e que tenha os elementos de disciplina sem mácula. São condições que podem ser partilhadas por muita gente. Temos a preocupação de rejuvenescer as lideranças e o Presidente da UNITA, no último encontro da direção da JURA do seu comité nacional, em novembro, teve oportunidade de partilhar com os jovens a adequação daquilo que é a definição de juventude no plano internacional às nossas próprias realidades. As Nações Unidas consideram um jovem aquele que tem entre 15 e 25 anos. Na JURA, considera-se um jovem aquele que tem entre 18 e 35 anos. Há já aqui uma grande diferença. África também não acompanha em pleno aquilo que se passa em termos universais. Depois, se houver muita acumulação de liderança de jovens com idades já fora deste prazo, retarda-se aquilo que é a transição da juventude para, diria assim, o ciclo seguinte, que é a liderança do partido. Não há nenhuma interferência [da direção], temos uma visão: a de que possamos — no fim deste congresso — ter um líder, não apenas para a juventude da UNITA, como também para a juventude de Angola.

Esta escolha de Nelito Ekuikui, que foi o grande vencedor em Luanda?

Não houve escolha nenhuma. Nelito Ekuikui entendeu candidatar-se e entendeu apresentar um pedido de suspensão da sua função de secretário provincial de Luanda. Foi uma opção individual. A escolha, agora, cabe à juventude no Congresso. Pode ser que nem escolham o Ekuikui.

Se escolherem, será uma boa hipótese para recuperar a credibilidade da UNITA na camada jovem? Porque esta apostou forte na UNITA, acreditou na UNITA e depois ficou um pouco desiludida quando, apesar de o partido dizer que tinha vencido as eleições, tomou posse na Assembleia Nacional. Houve ali uma certa deceção. A presença de Nelito poderá recuperar o apoio dessa massa juvenil para a UNITA?
Recebi na semana passada os dois candidatos que estão a disputar a liderança da JURA. Recebi os dois em simultâneo e estive esta semana, antes de partir para a conferência [em Lisboa], numa reunião de comité permanente, onde convidei os dois a assistir. Vou continuar a falar dos dois, sem exprimir uma preferência exclusiva para um ou para outro, porque ambos foram candidatos à altura de disputar a eleição e eu não quero, em circunstância alguma, trazer vantagens para nenhum.

Sobre as eleições [gerais], nós tivemos um bom resultado em Luanda, como tivemos bons resultados em algumas outras províncias. Este resultado foi fruto de uma pluralidade de circunstâncias e gostaria de ver sair do congresso da juventude uma liderança para dentro e para fora. Até porque esta é uma absoluta necessidade que a UNITA tem de seguir para fortalecer e para realizar a alternância de poder político.

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