Acusada de descaminho de dinheiro público: Presidente do Tribunal de Contas proibida de sair do País

A juíza conselheira presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa, foi impedida, em Dezembro último, pelos efectivos do Serviço de Migração Estrangeiros (SME) destacados no Aeroporto 4 de Fevereiro, em Luanda, de abandonar o país.

Segundo avançou o Imparcial Press, que cita uma fonte fidedigna, o episódio registou-se quando a juíza pretendia embarcar num voo comercial com destino a Lisboa, Portugal.

De acordo com a nossa fonte, a economista Exalgina Gambôa – que ainda goza de imunidades – tentou reagir a acção da SME, mas foi advertida de que se estava apenas a cumprir “ordens superiores”.

Não se sabe ao certo se as referidas “ordens de superiores” eram provenientes da Procuradoria Geral da República ou da Presidência da República, mas o certo é que a juíza conselheira presidente do Tribunal de Contas teve de regressar ao seu domicílio e passar a quadra festiva com a família.

De realçar que, em Outubro do ano transacto, o jornalista e activista Rafael Marques pediu à justiça angolana a instauração de um processo contra a presidente do Tribunal de Contas para investigar despesas suspeitas, no valor de milhões de dólares.

Na carta endereçada ao Procurador Geral da República, Hélder Pitta Groz, O jornalista sublinhava que “o tempo é de mudança” e solicitava a “devida fiscalização” aos actos de Exalgina Gambôa, tal como chegou a denunciar no seu portal de notícias “Maka Angola” em Junho último.

Na altura, Rafael Marques de Morais revelou que as despesas da juíza, suportadas pelo erário público por via do Cofre Privativo do Tribunal de Contas teriam ascendido cerca de 4 milhões de dólares e visavam o apetrechamento da residência da juíza, com mobílias adquiridas em duas empresas.

Após a denúncia, nem a PGR nem o Tribunal de Contas se pronunciaram, tendo esta entidade informado apenas que as despesas realizadas pelo Tribunal constam dos relatórios anuais aprovados pelo plenário e são realizadas com base nos direitos e regalias dos magistrados previstos na lei.

Exalgina Gambôa foi também alvo de notícias, veiculadas inicialmente pelo Africa Monitor e mais tarde pelo Correio Angolense, que envolviam o congelamento de contas de um filho seu, em Portugal, supostamente constituída com valores proveniente do Tribunal de Contas domiciliada no banco Yetu.

Rafael Marques de Morais voltou ao tema sublinhando ter documentos que provam que a juíza, além dos gastos em mobília e reabilitação de uma casa num “luxuoso” condomínio que lhe foi entregue a estrear e que foram superiores ao valor do imóvel (3,5 milhões de dólares) adquiriu também uma residência para a sua adjunta, no valor de 437 mil dólares.

Aponta ainda um “mistério”, aludindo ao pagamento de 526 milhões de kwanzas (1,2 milhões de dólares ao câmbio actual) para a “aparente aquisição de nada”, verba que saiu do Cofre Privativo para a Urbanização Nova Vida.

Este projecto, acrescenta-se na carta, pertence a empresa Imogestin, cujo presidente é o ex-marido de Exalgina Gamboa, Rui Cruz.

Numa outra carta, dirigida à presidente da Assembleia Nacional [reproduzida abaixo], o jornalista chamou também a atenção de Carolina Cerqueira e dos deputados para a situação no sentido de o parlamento exercer o seu papel de fiscalizador da actividade do Tribunal de Contas, “a fim da sua urgente resolução e responsabilização administrativa, política e criminal”.

Carta dirigida à Presidente da Assembleia Nacional

A Sua Excelência

Presidente da Assembleia Nacional Dra. Carolina Cerqueira

Assunto: Fiscalização e responsabilização dos actos da Presidente do Tribunal de Contas

Excelência,

Este é um tempo de mudança e um novo ciclo acaba de se iniciar. Se há algo em que todos estaremos de acordo é neste pressuposto.

Por essa razão que lhe envio esta carta sobre a necessidade de o órgão soberano a que Vossa Excelência preside proceder à devida fiscalização dos actos da Presidente do Tribunal de Contas, Dra. Exalgina Gambôa, de modo a obter conclusões objectivas e suscitar a necessária responsabilização administrativa, política e criminal.

Na verdade, legalmente, compete à Assembleia Nacional fiscalizar a actividade do Tribunal de Contas em relação a assuntos de índole financeira, orçamental, contabilística e patrimonial, nos termos do artigo 37.°, n° 5 da Lei Orgânica e de Processo do Tribunal de Contas. Trata-se de um poder indeclinável da Assembleia Nacional com vista a assegurar o respeito da legalidade no controlo das contas públicas.

Além do mais, e acima dos preceitos legislativos, o fim último do exercício da governação e das funções da Assembleia Nacional reside na prossecução do bem comum.

O bem comum é o conceito abrangente que deve orientar o raciocínio e a prática de todos os membros e órgãos do Estado. Para alcançar o bem comum, os cidadãos devem, também, manter uma relação “política” ou “cívica” uns com os outros, para que as instituições promovam certos interesses partilhados, como a liberdade, a prosperidade e a tranquilidade. Juntos, as instituições, os cidadãos e os interesses relevantes constituem o bem comum, o qual deve orientar a acção política.

É com este fundamento que se incita Vossa Excelência a tomar ou fazer tomar as iniciativas adequadas com vista ao controlo, à fiscalização e à responsabilização dos actos da Presidente do Tribunal de Contas.

Relembre-se que, em 2020, o Executivo procedeu à aquisição de uma residência no exclusivo e luxuoso Condomínio Malunga, no Talatona, Luanda, pela quantia de 3,5 milhões de dólares, cujo destinatário foi a veneranda juíza Exalgina Gambôa.

Provas documentais em minha posse demonstram que a juíza pagou 212,8 milhões de kwanzas à empresa Sholin Construções Lda., no dia 5 de Agosto de 2021. Este pagamento, com origem no Cofre Privativo do Tribunal de Contas, destinou-se à reabilitação da sua residência no Condomínio Malunga. Ao câmbio actual, trata-se de meio milhão de dólares para a reabilitação de uma residência de alto padrão de luxo, que lhe fora entregue nova, a estrear.

Além disso, o Cofre Privativo do Tribunal de Contas pagou à empresa Annus Mirabilis Decoração, nos dias 26 de Março, 30 de Julho e 17 de Dezembro de 2021, um total de 1,426 mil milhões de kwanzas. O apetrechamento da residência no Malunga, ao câmbio actual, custou, portanto, 3,3 milhões de dólares.

Exalgina Gambôa também recorreu aos serviços da empresa J.A.V., de João Justino António, para a aquisição de mais mobiliário para uso particular. O Cofre Privativo de Justiça desembolsou, para esse efeito, a 30 de Julho de 2021, a quantia de 199 milhões de kwanzas. Ao câmbio actual o valor ascende a 461 mil dólares.

E assim chega-se a um apuramento de contas que diz que os gastos de Exalgina Gamboa com mobiliário foram superiores ao valor de aquisição da luxuosa vivenda de quatro suítes.

A Presidente do Tribunal de Contas preocupa-se também com a “dignificação” da sua Adjunta. Com recurso ao mesmo Cofre Privativo, Exalgina Gambôa adquiriu, para a vice- presidente, Domingas Alexandre Garcia, uma residência no condomínio Dalm, no Talatona, pela modica quantia de 189 milhões de kwanzas. O valor, pago em duas tranches ao empresário Amil Ali Bachu, nos dias 26 de Abril e 7 de Junho de 2021, equivale a 437 mil dólares ao câmbio actual.

Repare-se que o dispêndio em mobílias “Mirabilis” para a casa da veneranda juíza Exalgina Gambôa é seis vezes superior ao valor de compra da residência da sua Adjunta Domingas Garcia. Esta residência, por sua vez, teve um custo quase idêntico ao dos outros acessórios e mobílias adquiridos à J.A.V.

Fonte governamental indica que a juíza solicitou ao Ministério das Finanças o montante de dois mil milhões de kwanzas para mobilar a sua residência. E terá sido perante a recusa ministerial que a juíza decidiu recorrer ao Cofre Privativo do Tribunal de Contas.

No meio destas transacções, há um mistério. Assinala-se um pagamento de 526 milhões de kwanzas, efectuado a 10 de Fevereiro de 2021 pelo Cofre Privativo do Tribunal de Contas a Urbanização Nova Vida, para uma aparente aquisição de nada. Esse valor, ao câmbio actual, equivale a 1,217 milhões de dólares. A Urbanização Nova Vida é um projecto da empresa Imogestin, cujo presidente do Conselho de Administração é o seu ex-marido, Rui Cruz.

A resposta do Tribunal em relação aos factos até aqui enunciados foi que todos se enquadravam nos poderes legais da Presidente e haviam sido aprovados atempadamente pelos colegas. Em concreto, o Gabinete de Comunicação e Imagem do Tribunal respondeu a informar que as “despesas realizadas por este Tribunal constam dos Relatórios Anuais.

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