Os quadros foram, uns bem antes de se tornarem quadros. Eram apenas jovens com o ensino médio a busca de formação superior, porque no Moxico tinha um centro pré-universitário (PUNIV), mas não tinha a universidade. O seu perfil académico com um currículo de ciências humanas, físicas e biológicas, não os preparava para o mercado de trabalho, mas também não existia (em 2008) um mercado de trabalho fora da esfera pública, cujo acesso sempre esteve em volta, não apenas do mérito e da competência, mas da conveniência e do tráfico de influência.
Os quadros foram, e deixaram para trás uma província com os resquícios do flagelo da guerra, vistos nas ruas esburacadas da cidade do Luena, com uma paisagem triste de jovens e velhos deficientes pelos estilhaços do “fogo amigo”, prédios pregados à bala, hospitais abarrotados e o governo a tentar repor a Administração do Estado em todos os municípios e comunas, excepto o Lutuai/Muangai, esse teve que esperar pelo Muandumba.
Em 2008 os jovens pré-universitários queriam um formação superior, o governo estava em campanha política para vencer as eleições legislativas, e a sua oferta não era uma universidade, mas a manutenção da paz e da estabilidade. Proposta que foi comprada por uma população que ainda tinha memórias vívidas do drama da guerra, do sofrimento, da morte e mutilações. Deram 165 mil 349 votos aos “senhores da paz” e aos “senhores da guerra” 10 mil 590. Como ganhos, os mais sortudos conseguiram alargar a sua rede de conveniências e tráfico de influência.
Assim foram as primeiras eleições após a conquista da paz em 2002. Ai aquele 22 de Fevereiro, que ouvimos as balas e vimos o seu vermelho, mas ninguém correu. Era o anúncio da morte de Jonas Savimbi – foi um dia eufórico. Sim, leram bem. Eufórico. Os mais velhos gritavam que a guerra acabou, os mais pequenos entraram na gritaria. No dia seguinte, nós no bairro Santa Rosa vimos o hospital militar repleto de viaturas e tropas, uns camases lotados de gente que estava na mata, um Range Rover, que diziam, transportava o corpo do mítico guerrilheiro.
Mas deixa voltar a ao sonho dos quadros que foram em 2008. Precipitaram-se, porque no ano seguinte abriu a Escola Superior Politécnica do Moxico, a famosa UJES, com a agenda de dar o grau de técnicos superiores a aqueles que eram de facto “superiores” aos demais. Coisa que a maioria dos pré-universitários não era, vendo bem, afinal não se precipitaram em sair do Moxico em busca de uma oferta formativa mais diversificada em áreas como medicina, tecnologias, direito, economia e ciências empresariais.
Os quadros foram e ficaram assistindo de longe a formação da nova elite do Moxico, a elite do Mussivi, o precioso tronco que atraiu os magnatas da madeira, que nas florestas agora desminadas de Calunda ao Mussuma enriqueceram com pau, pedra, kimbandas, sobas e funcionários fantasmas, deixando para trás um rasto de devastação ambiental, estradas degradadas e novas paredes com fissuras.
Os quadros que foram assistiam isso de longe, uns passaram a lucrar com consultorias e parcerias com a elite do Mussivi, e a nós que ficamos pediam-nos fotos de como está a estrada do Luau e Alto Zambeze, para que pudessem usar as imagens quando lhes eram convenientes, quando sentiam o status quo ameaçado. E nós mandamos as fotos que eles legendaram como “povo burro e atrasado, que não gosta evoluir”.
Mas até evoluímos, hoje o peculato já não é cawalala e o nepotismo não é “tomar banho”. Os jovens deficientes são vice campeões mundiais. Demos um deputado aos “senhores da guerra”, porque hoje os jovens têm medo da paz, à paz que se tornou um velho monumento que carece de manutenção das suas gigantes mãos pedintes. Que pedem pão, estradas, emprego e habitação. Temos medo da paz que nos trouxe a liberdade de dizer e ficar calado, dizer que está tudo bem e calar perante as injustiças. A paz que nos deu a liberdade de ir e vir, ir ao Huambo comprar fardos e vender esperanças.
Até evoluímos, e quem pensa o contrário será surpreendido por essa avalanche de jovens que conseguiram formação superior livremente, longe das conveniências e do tráfico de influências.
Na WALINGA perto de 500 novos licenciados, no ISPI Luena quase 100, em pelo menos 8 cursos que fazem mesclagem das ciências sociais e ciências da educação. Claro, faltam-nos as engenharias, tecnologias e medicina que tanto precisamos, mas esses pedagogos, sociólogos e psicólogos farão muito barulho daqui para frente, e o Governo ainda não sabe o que fazer com eles. Os cargos de direção e chefia que muitos dão a entender que são a única forma de se apostar na juventude, são poucos e estaríamos a repetir o ciclo vicioso das conveniências e tráfico de influências.
E então, o que será dos novos canudos? “O tempo dirá quem tinha razão”, e se fizeram por mérito, “um dia serão lembrados”.