Durante o primeiro mandato de governação do Presidente João Lourenço, o Executivo pretendia edificar um sistema de comunicação social aberto, plural, diversificado e apto para a melhoria contínua das práticas democráticas.
Os exemplos apresentados na época foram o facto de, em menos de dois anos, terem sido licenciadas dezenas de novas rádios privadas, jornais e revistas, bem como um novo canal de televisão por assinatura, que neste segundo mandato veio a concluir-se que tal canal de televisão pertence ao partido no poder, e algumas rádios têm tentáculos de pessoas ligadas aos novos governantes deixando para trás os ditos “marimbondos” que mandavam em Angola.
Se no princípio a suposta “especial atenção” que estava a ser dedicada para a solução de alguns problemas da comunicação social não passou disso mesmo, hoje temos a plena certeza que a imprensa angolana anda no ‘cafrique’ do poder, pior do que no tempo do ex-presidente José Eduardo dos Santos.
Desde a instalação do multipartidarismo em Angola, em 1992, está é a primeira vez que um ataque à liberdade de imprensa tem como alvo o líder do sindicato dos jornalistas, Teixeira Cândido, num claro sinal de retrocesso das liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, bem como, num aperto do cerco aos jornalistas que se vem agudizando com o passar dos anos.
Os factos abundam e, tal como O Telegrama o fez, o ECOS DO HENDA também traz à liça este dossier no sentido de denunciar estes factos e chamar atenção à quem de direito com vista a sua solução.

Realidade dos factos…
Desde o princípio do ano, cerca de 10 jornalistas angolanos foram alvos de ameaças directas e assaltos as suas residências. Nada anormal, não fosse a semelhança dos crimes em causa. Sem qualquer sinal de rombo das portas ou janelas.
Por exemplo, na sede do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) os “amigos do alheio” entraram e de lá retiraram apenas a CPU (Unidade Central de Processamento) do principal computador daquela instituição.
Em conversa com O Telegrama, Teixeira Cândido explicou que os invasores “deixaram o monitor, o teclado, assim como os cabos e tudo o resto”. Ou seja, nada mais levaram.
Estranhamente, três dias depois do assalto à sede do Sindicato, isto na última terça-feira, dia 22, os assaltantes regressaram à sede do Sindicato dos Jornalistas Angolanos e devolveram o material roubado.
“Eram quase 9h00 quando deixaram a CPU na porta do Sindicato. Ninguém viu quem foi que depositou”, descreveu o líder sindical dos jornalistas, acrescentando que o caso já foi relatado ao Serviço de Investigação Criminal (SIC), que, entretanto, cinco dias depois da participação, nem sequer enviou uma equipa para averiguar a ocorrência “in loco”.
O mesmo ocorreu com o director do semanário económico Expansão, João Armando, em Julho passado. Numa madrugada, indivíduos entraram na sua residência e levaram apenas dois computadores. Também não houve arrombamento de portas nem janelas da casa do profissional, onde, na ocasião, se encontrava a dormir.
Porém, no caso do Sindicato, os assaltantes não ficaram por aí. Enviaram uma série de mensagens ao líder sindical com teor de ameaças de morte. Está é a primeira vez que um líder sindical dos jornalistas angolanos é ameaçado directamente em 30 anos de democracia, situação que demonstra claramente que a situação atingiu contornos assustadores durante o mandato do presidente João Lourenço, intitulado “campeão da paz”.

“Isto é um aviso para o teu marido”
Outro profissional que tem sido alvo de constantes ameaças, com contornos à integridade física da sua família, é o radialista Cláudio Pinto, mais conhecido por “Cláudio In”. Desde o dia 20 de Setembro, o jornalista da Rádio Despertar tem vivido um verdadeiro calvário. Pois, por três ocasiões, a sua esposa foi esfaqueada sem, no entanto, os seus autores conhecerem a mão pesada da lei não obstante as denuncias feitas aos órgãos competentes.
Na primeira ocasião, dois homens armados e encapuçados invadiram a residência do jornalista, por volta das 18 horas. Um verdadeiro filme de terror. A esposa foi torturada, com vários cortes nos braços, e nem mesmo a criança de 1 ano e meio foi poupada. Os assaltantes ameaçaram matar a criança e deixaram uma nota, que dizia: “Isto é um aviso para o teu marido”.

Presidente da República “intocável”
Mariano Brás é director do jornal O Crime. Vive abaixo de vários processos judiciais, um dos quais envolvendo o Presidente angolano.
“Foi constituído arguido, num processo de difamação, injúria e ultraje aos símbolos e órgãos do Estado”, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), na sequência de uma matéria que elege o Presidente João Lourenço como “a pior figura” do ano de 2020. Dito de outra maneira, Mariano Brás corre o risco de ficar 10 anos na cadeia por ter dado nota negativa ao Governo.

Emissora alemã protesta junto ao Governo
Em Agosto, a emissora internacional da Alemanha (Deutsche Welle) enviou uma carta de protesto ao então ministro da Informação e actual governador provincial de Luanda, Manuel Gomes Homem, devido aos constantes actos de intimidação contra os seus correspondentes e o enviado especial da cobertura das eleições gerais, António Cascais.
Em todos os casos, foi feita uma participação junto das autoridades policiais e até ao momento não houve um pronunciamento. Ataques à imprensa e à integridade física dos jornalistas tem vindo a aumentar, sobretudo, nos últimos dois anos do governo de João Lourenço.
A edição 2022 do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa elaborado pela Repórteres sem Fronteiras (RSF) mostra Angola na posição n.º 99, a um pé da “linha vermelha”.
A RSF ressalta que, “após 40 anos do clã Dos Santos no governo, a chegada de João Lourenço à Presidência, em Setembro de 2017, não marcou um ponto de virada para a liberdade de imprensa. A censura e o controlo da informação ainda pesam muito sobre os jornalistas angolanos”.
Com O Telegrama