Alegações em tribunal dos Países Baixos, onde está registada a empresa onde Sindika Dokolo e Isabel dos Santos e a Sonangol eram sócios, arrasam Governo de José Eduardo dos Santos e a sua filha, ex-PCA da petrolífera nacional. Sonangol quer indemnização de 50 milhões USD.
A petrolífera nacional reconheceu, no Tribunal Supremo dos Países Baixos, que os polémicos negócios com Isabel dos Santos e Sindika Dokolo, que permitiram a criação de uma parceria para entrar no capital da petrolífera portuguesa Galp, foram consumados devido ao “regime cleptocrata anteriormente em vigor”, apoiados “em práticas corruptas” que beneficiaram a família do ex-Presidente da República.
As alegações surgem no ponto 3 do capítulo “Os fundamentos da decisão” do processo número 20/04199 que decorreu no Supremo Tribunal Federal dos Países Baixos, que decidiu rejeitar o recurso apresentado pela empresa que detinha 40% da Esperaza, a Exem (onde Sindika Dokolo era o último beneficiário, sendo agora representado pelos seus herdeiros, embora fosse evidente a relação com Isabel dos Santos), segundo informações que constam no referido processo, que foi consultado pelo Expansão. A Esperaza é o veículo que representa os direitos da Sonangol (que detém 60% do capital da empresa) e da Exem na Amorim Energia que, por sua vez, tem participação directa de 33,45% na petrolífera portuguesa Galp.
A entrada da família dos Santos na parceria com a empresa portuguesa foi financiada com um empréstimo da própria Sonangol à Exem, cujo pagamento seria depois feito com os dividendos a receber pela participação indirecta na Galp, um negócio, portanto, aparentemente sem qualquer risco.
O processo 20/04199 diz respeito a um recurso interposto pela Exem, depois de a Câmara Empresarial do Tribunal de Recursos de Amesterdão ter afastado a referida entidade da gestão da Esperaza e ordenado uma investigação sobre a política e o curso dos seus negócios. Foi também nomeado um administrador judicial. Todas as reclamações da Exem referentes a este processo foram rejeitadas em recurso, tendo o acórdão sido publicado em Julho de 2022.
Sonangol arrasa família dos Santos
“No contexto do regime cleptocrático que anteriormente governou Angola, a Exem obteve a sua participação de 40% na empresa [Esperaza] como resultado de práticas corruptas de dos Santos, permitindo-lhe adquirir as acções da Esperaza em condições extremamente vantajosas, enquanto a Exem em última análise pertence e é controlada por dos Santos e Dokolo”, alegou a Sonangol em defesa da sua posição.
Antes desta exposição, no ponto 2 do mesmo capítulo, a Sonangol acusa a empresária de tentar ludibriar a petrolífera nacional com o pagamento (no dia 14 de Novembro de 2017, apenas um dia antes de ser exonerada do cargo de PCA da Sonangol) de um dividendo intercalar de 130 milhões USD a distribuir pelas duas partes, consumando a transferência de 50 milhões USD para a Exem e a tentativa (unilateral) de dissolver a Esperaza, já depois de ter “despedido” de forma unilateral administra[1]dores nomeados pela Sonangol.
A petrolífera nacional também considera que as decisões de Isabel dos Santos enquanto PCA da Sonangol configuram um conflito de interesses. No seguimento deste contexto, a Amorim Energia congelou o pagamento de dividendos à Esperaza, ao mesmo tempo que as entidades financeiras rejeitam trabalhar com a empresa devido ao impacto do Luanda Leaks e das suspeitas sob investigação.
À data dos factos, as únicas contas bancárias da Esperaza, confirmadas pelo tribunal dos Países Baixos, estavam domiciliadas no EuroBIC e BIC Cabo Verde (entretanto extinto), entidades controladas por Isabel dos Santos e também sob investigação em Portugal. O Governo angolano pediu a devolução de 500 milhões USD num processo judicial que ainda decorre nos Países Baixos. Até ao momento, as decisões têm sido quase todas favoráveis à posição da Sonangol e do Governo.
Empresária defende-se das acusações
Na opinião da primeira instância judicial nos Países Baixos, entretanto contestada pela Exem (que viu o recurso negado pelo Supremo Tribunal Federal), as decisões tomadas em 14 de Novembro de 2017 por Isabel dos Santos “fornecem razões válidas para duvidar da correcta política e curso dos negócios da Esperaza”. “Para começar, o momento e a pressa com que as decisões foram tomadas levantam questões. As decisões foram tomadas um dia antes da exoneração de dos Santos como presidente do Conselho de Administração da Sonangol. (…) Chama a atenção também a rapidez com que aprovou o pagamento dos dividendos”, considera o tribunal.
Contactada pela Lusa, a empresária mantém a versão que “os 50 milhões USD correspondem a pagamentos de dividendos aos accionistas da Esperaza que foram devidamente autorizados em assembleia-geral, contando com voto favorável da Sonangol”.
A Sonangol pretende obter uma sentença que estabeleça a responsabilidade dos réus, bem como uma ordem para que estes indemnizem a Esperaza em 50 milhões USD, acrescidos de juros e custas processuais.
Por Miguel Gomes | Expansão