A morte do “Estado” e as mãos do Estado – Fredolin o Poeta

A verdade, mesmo, é que ele atravessou a porta. E a mão por detrás desta puxou-o violentamente para dentro da barriga do tempo.

De repente, nas tripas do destino o relógio adormeceu. Pouco a pouco, tudo avariado. Não adianta dar corda. De nada serve comprar pilhas novas. Um cartão de recargas da UNITEL não fará funcionar o coração do astro.

Os ponteiros, as horas, passado, presente e futuro, tudo misturado no mesmo caldo: luto. Comam à vontade, vós, abutres liberta – DÔRES.

Para trás, no longo corredor de um país que ama tanto à impossibilidade fica uma floresta densa de perguntas às quais a Weza, sozinha, por certo não saberá como cozinhar: a porta se abriu por ela mesma ou alguém do Sinédrio girou àquela chave que deu passagem a David Zé, Urbano de Castro e a tantos outros?

Talvez o Raúld Danda e o Félix Miranda no-lo respondam sem medo de um chicote no lombo.

Para trás, na varanda suja de uma saúde indigente e dos ministérios negligentes ficam respostas por comer.

Porque é que o mandaram de volta de Portugal, para onde tinha sido evacuado ─ pelas velhas razões de precariedade dos (de)serviços em Angola?

Uma vez mais, como sempre, o cérebro passará a noite à fome. Porque pensar é proibido e reflectir é incorrer num crime contra os (i) legítimos donos da & do capital.

Vivemos num mundo aos ziguezagues. Em apenas duas décadas assistimos a revoluções tecnológicas nunca antes experimentadas nem nos últimos milénios.

E todas elas acompanhadas de (algumas) reconfigurações sociológicas que exigem de nós mais do que somos capazes de acompanhar.

Viver no século XXI demanda treinamentos mentais, físicos e um exercício de readaptação constante face aos poderes instalados na árvore (rés)pública como um cancro.

Mal temos tempo de dominar uma coisa e já surge outra. Saltamos de um polo para outro à velocidade da luz. Só não saímos do complexo industrial da pobreza.

Mal começamos a pensar que alcançamos alguma estabilidade, surge um acontecimento inesperado; e, de novo, entramos em crise de sobrevivência. Com o Sebem não foi diferente. O Nagrelha, uma vez mais, prova-nos isso. E a Weza estará a passar por este momento.

Nascido Joelson Caio Mendes, foi na “Grelha” do Kuduro em que se viria a notabilizar, deixando para trás um histórico típico dos bairros à mercê da divina providência.

Nagrelha alcançou uma popularidade que em qualquer parte do mundo o tornaria alvo de um escrutínio (in) discreto de quem sabe que no povo reside algum poder. E o Poder não dorme quando percebe que há algum poder paralelo às esferas que ele controla.

Sobretudo em países (in) geridos como quartéis militares. De modo que, ou o Poder absorve tal forma de poder, se consegue, ou o esmaga. Sempre consegue.

À parte especulações, nada exonera a factualidade do pano preto. Deste lado do muro ficam as batidas multíssonas, os pés de dança, a irreverência, as marés de gente que arrastou:

Estádio dos Coqueiros lotado para vibrar ao som do rapaz da periferia: ─ o típico “Zé Favela” ─ que driblando os prognósticos fatalistas e o auto-derrotismo dramáticos, num golpe de altruísmo e resiliência, se ergue de entre a poeira dos bairros tristes para ser “Rei-Sol” na Metrópole.

O próprio José Eduardo dos Santos não lhe resistiu o charme. Nagrelha era dos poucos mortais que se dava ao luxo de passar a mão na cabeça do “Dono de Todas as Coisas” sem o risco de levar uma cabeçada da mão dos generais agricultores do medo.

De modo que, de entre descontos a fazer-se ao também conhecido por “Estado Maior do Kuduro”, haverá que ressaltar o facto de ter tido a coragem de no “Pod Cast” de Fly Squad ter assumido “(…) Não fala mal do Zedú. Ele me sustentou (…)”.

Isso, numa altura em que toda entourage (que se fizera bilionárias às custas deste) já o tinha relegado ao ostracismo. O exemplo de fidelidade viria, afinal, exactamente de onde menos esperariam: Nagrelha.

Terá sido razão para que alguém se lembrasse daquele pozinho mágico que Sócrates tomou em Antenas, ou dos velhos gatilhos tão useiros e vezeiros nesta Angola de prantos? Quem de nós o poderá dizer com certeza?

O que é facto, é que o palco está morno. Um terramoto psicológico obriga a que cada um se questione, ainda que às escondidas: tantas mortes “esquisitas” … tantas “coincidências” no quintal porquê? Independência é só isso?

Nem mesmo a habitual nota fúnebre da parte do Ministério da Cultura conseguirá fazer uma terraplanagem psiquiátrica aos que infectados por dúvidas, colapsam, sucumbem.

Onde estará a verdade? Enquanto o Andeloy não arrisca uma resposta, o microfone a sós lamenta a perda de um dos seus artífices. Nagrelha foi embora ou foi ajudado a bazar? Com ele se foi a sua gramática simples e directa. “Sem não me toques finórios”.

Na senzala à esquerda o grito surdo dos “Lambas” morre na garganta do Sambizanga, ─ como vela solitária entre os dedos do vento. A porta se abriu e ele a atravessou. Agora canta “Comboio” no colo da luz.

Desta vez, nenhum jurista advogará sua causa. Zedú já partiu e talvez no pavilhão do além se misturem em poesia, como flocos de aveia num abraço anestesiante.

Estamos todos na lista de espera. Será o pó ou a bala o instrumento que nos enviará para os braços de Deus?

Será mais um menino do bairro ou da Cidade Alta, desses que nunca zungaram frango, nunca pegaram numa enxada, mas compram relógios a meio milhão de euros?

Quantos filhos de pés descalços precisam partir para o exílio ou cemitério, para que os vossos primogénitos e “kassules” exibam sobre estradas sem asfalto os Ferrari comprados com o dinheiro que os médicos não têm e os professores vivem à caça?

Quantos filhos das periferias precisam pagar com o seu sangue, para que sejais mais Donos disto do que já o sois?

Não me vou dar ao trabalho de pedir ao Vítor Hugo ou o Gilmário Mvemba que me respondam.

A lista é grande. O silêncio é maior ainda. Tudo sardinha na calmaria dos Tubarões.Quem será o próximo, Vossas Excelências?

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