A problemática das Apropriações Públicas por via das Nacionalizações
Ficamos perplexos quando “do nada” o Presidente da República, João Lourenço iniciou e “fez aprovar” uma revisão “cirúrgica e apressada” da Constituição da República de Angola (adiante CRA) em 2021, onde, dentre outras matérias, alterou-se a previsão constitucional sobre a nacionalização e ensaiou-se o conceito de apropriação pública.
Menos atónitos ficamos quando vimos a Assembleia Nacional aprovar, consequentemente, a Lei n. 13/22, de 25 de Maio, Lei da Apropriação Públicas.
Esta medida legislativa concertada visava atingir um único propósito — estatizar administrativamente os activos privados em recuperação no processo de combate à corrupção.
Se, por um lado, estes mecanismos são expeditas, na medida em que contornam a morosidade e as incertezas inerentes aos processos judiciais, por outro, traduz-se num poderosíssimo recurso na mão do Executivo para “estatizar a economia”.
E se antes da aprovação deste “estranho” quadro legislativo, assistimos a “inserções inconvenientes de empresas privadas na esfera jurídica do Estado como a TV Zimbo, ZAP, TV PALANCA, Rádios e jornais afins, só para citar as marcas mais conhecidas do público, com a nova matriz legislativa observamos o ingresso na esfera pública da UNITEL, CATOCA, BFA e “companhia”.
O aviso à navegação é assombroso
A UNITEL era o símbolo do capitalismo angolano. Uma empresa privada criada e financiada inicialmente por capitais púbicos, mas detida (em grande parte —75%), gerida, dinamizada e expandida pelos privados.
Com todos os defeitos que podemos apontar ao “capitalismo primitivo angolano”, a UNITEL era uma empresa próspera (lucrativa), moderna e com uma importante responsabilidade social. Era o modelo ou padrão do capitalismo angolano.
Sem prejuízo da bondade do “combate à corrupção”, a “apropriação pública” total da UNITEL é um “recuo civilizacional para os “padrões” angolano.
Diante desta medida insensata perguntamos: A UNITEL ficará na esfera pública ou será objecto de “reprivatização”?
Num e noutro caso será sempre uma má solução. Nenhuma delas suplantará a que existia — deveriam deixá-la como estava, se não vejamos:
Se ficar na esfera pública corre o risco de converter-se na “Angola Telecom” ou na “MOVICEL”. A gestão pública de uma é só pior que a outra!
Se opção for a (ré)privatização:
Quem irá adquirir a UNITEL?
O capital estrangeiro?
Significará a colocação de grandes empresas nas mãos dos expatriados por via do estado, quando deveriam ser estes a criar novas ou adquirirem as que já estão inseridas no PROPRIV.
O capital angolano?
De duas uma: ou serão os capitalistas primitivos da primeira vaga (do tempo do JES), que estão a ser combatidos selectivamente ou os “novos ricos”, que surgem na nova vaga do capitalismo primitivo na fase de João Lourenço.
O último caso levanta um grave problema moral: quem é melhor que quem? Os empresários da era de Eduardo dos Santos ou do consulado de João Lourenço?
Tendo todos eles a mesma fonte de acumulação primitiva de capital — o Estado, parece que entraremos num “ciclo inexticable“. Dito de outro modo, amanhã com o fim do ciclo de João Lourenço, o seu sucessor pode reiniciar o “capitalismo primitivo angolano” combatendo os capitalistas anteriores (com os mesmo argumentos que é agora utilizado), criando-se novos capitalistas.
Com isso, quem perde é o país que nunca sairá do ciclo inicial do capitalismo.
Não seria mais sensato quebrá-lo agora?
Por último, nota-se que o Executivo está sem identidade: se, com uma mão lança o PROPRIV, em homenagem a Friedman, com outra, convoca Karl Max (deixa de parte ou absorve Keynes) para sufocar o sector privado com as irreflectidas apropriações públicas.
Estes sinais ambíguos que o Executivo lança são perversos para a economia pois afasta os investidores (nacionais e estrangeiros).
As nacionalizações e apropriações públicas não são processos estranhos as economias liberais, mas são sempre inseridas em determinados contextos e usadas cum grano salis. Se é verdade que actualmente também ocorrem nacionalizações nas economia liberais mais consolidadas como foi o caso da EFACEC em Portugal ou a pretensão recente do Estado francês em privatizar 100% da Électricité de France (EDF), também é verdade que essas apropriações públicas têm por base a defesa do interesse público face às dificuldades financeiras que as empresas intervencionadas vivem.
Não é o caso da UNITEL nem do BFA!
O “regresso ao socialismo camuflado” ou a falta de identidade do Executivo do MPLA é pernicioso para economia e para o tecido social.
Está o alerta feito! Cabe a quem de direito “pôr ordem no círculo” ou aguardemos pelo próximo governo. Até lá, alea jact est…