Nos estudos e reflexões sobre a essência característica de uma real e forte democracia três princípios fundamentais são sempre ressaltados: Numa democracia, 1) a soberania reside nos níveis mais baixos de autoridade; 2) é pautada uma igualdade política universal e 3) existem normas sociais pelas quais os indivíduos e as instituições só consideram aceitáveis actos que reflectem os dois primeiros princípios. Em síntese, pode-se dizer que a pedra angular de uma democracia são os sociais sem os quais a vida democrática não pode ser realidade.
As condições sociais e econômicas precedem a efectividade da vida em democracia em qualquer lugar do mundo e em qualquer momento da história da humanidade. Saúde, educação e liberdade física (condições econômicas e de trabalho) são o rosto efetivo dos pilares da democracia.
Nesta lógica pode-se dizer que a valorização dos direitos humanos, especialmente a cidadania pautada na liberdade, igualdade e virtudes republicanas, é o princípio norteador a ser seguido no campo sociojurídico para se alcançar os ideais de justiça colocados como parâmetros mandatórios para a construção de uma democracia.
Os pilares de uma real e forte democracia resumem-se nos chamados direitos sociais.
É verdade que não existe uma bitola única e universal para “medir” a democraticidade de uma determinada sociedade e pode-se dizer que cada povo é um povo, com a sua história, as suas culturas, com as suas tradições e, portanto, com a sua democracia. Assim temos que a democracia americana não é igual a democracia suíça, nem esta não é igual a francesa, nem a francesa igual à italiana, assim por dia.
Mas o “caso angolano” faz tempo que inspira preocupação e nas eleições de 24 de Agosto de 2022 todos os alarmes vermelhos desataram. Que democracia se quer para Angola? Existe uma ideia clara para a democracia angolana, tendo em conta a sua própria história, tradições e culturas? Existe uma democracia partidária?
Em 2022, contra todos os avisos, contra a verdade, contra a transparência e contra a justiça, os angolanos foram obrigados a assistir e participar numa falcatrua eleitoral vergonhosa e fatal para o Estado angolano de cujo “pleito” organizado, monitorado e escrutinado pelo MPLA, declarou-se vitorioso o MPLA.
Num instante, a nação e o MPLA encontraram-se diante de uma autêntica vitória de Pirro e o clima é de choque total. Quem se autoproclamou vencedor das eleições não está feliz. Quem pauta pela verdade, pela justiça e pelas virtudes republicanas, também não está feliz. A sensação é de choque e desorientação total e geral.
Numa democracia as vitórias são da nação, mas nas eleições de 24 de Agosto de 2022 apenas um partido e ele próprio, para si mesmo se disse vencedor embora tenha certeza que os factos rezam outra coisa e que a grande maioria da nação tem bem outra convicção.
Para piorar o quadro e superar a confusão que inferno dantesco deve ter esquecido de aflorar, para a falcatrua eleitoral, sem grande surpresa, foram arrastadas as instituições do Estado que, por sua natureza, deveriam e devem ser os garantes da liberdade, da igualdade e das virtudes republicanas. Falamos aqui do Tribunal Constitucional e da Procuradoria Geral da República, que publicamente mostraram-se como segmentos do partido MPLA.
Com alguma surpresa, também segmentos de algumas instituições religiosas colocaram-se no outro lado da barricada deixando a sociedade órfã. O posicionamento destas instituições agravou ainda mais a imagem, de instituições pouco credíveis, de inutilidade, fraqueza e insignificância no quadro geral de um Estado que se pretende democrático e de direito. Situação que se consubstancia num grande dano ao Estado angolano e que faz jus à metáfora da vitória de Pirro.
De lembrar que a expressão “vitória de Pirro” constitui uma metáfora para descrever uma vitória que, de tão esforçada e sacrificada ou de tão violentamente conseguida, quase não vale a pena alcançá-la, sendo praticamente inútil e prejudicial para o vencedor.
Nas eleições de 24 de Agosto de 2022, a nação angolana saiu completamente derrotada com a inventada vitória do MPLA. Perante nós mesmos e, claro, perante o mundo que se ri da nossa incapacidade de acertar sempre no errado mesmo quando as coisas são simples, evidentes e ao nosso alcance sem necessidade de esforço. Aliás, parece existir mais esforço para tentar manipular e acabar errando.
Ir para as eleições com dados falsos e depois basear os relatórios finais nos mesmos dados, é uma terrível brincadeira que vai dar matéria suficiente para as gerações vindouras questionarem a nossa sanidade mental.
No fundo inventamos mentiras e fazemos questão de acreditar que estas verdadeiras mentiras são verdade e sem nenhum peso de consciência queremos festejar e convidar outros para as nossas patéticas danças.
Quo vadis Angola?
Com certeza esta é a pergunta de todo e qualquer cidadão angolano que ama de verdade a pátria angolana e tem:
1) A capacidade de raciocinar adequadamente a respeito de temas políticos que afectam a nação, de examinar, reflectir, argumentar e debater não se submetendo nem à tradição nem à autoridade ou ditames de um partido.
2) A Capacidade de reconhecer os seus concidadãos como pessoas com direitos iguais, mesmo que sejam diferentes quanto à raça, religião, gênero, orientação sexual e partido: olhá-los com respeito, como fins, não apenas como ferramentas a serem manipuladas em proveito próprio.
3) A Capacidade de se preocupar com a vida dos outros, de compreender o que as diferentes políticas significam para as oportunidades e experiências dos diferentes tipos de concidadãos e para as pessoas que não pertencem ao nosso país.
4) A Capacidade de conceber cabalmente diversos assuntos complexos que afectam a história da vida humana no seu desenvolvimento: reflectir acerca da infância, da adolescência, das relações familiares, da doença, da morte e muito mais, de forma que se caracterize pela compreensão de um amplo conjunto de histórias humanas, não apenas pela reunião de informações.
5) A Capacidade de julgar criticamente os líderes políticos, mas com uma compreensão fundamentada e realista das possibilidades de que eles dispõem.
6) Capacidade de pensar no bem da nação como um todo, não somente no bem do próprio grupo local.
7) A Capacidade de perceber o nosso país como parte de um mundo complexo em que diferentes tipos de assunto exigem uma discussão transnacional inteligente para que sejam solucionados.
Tudo tem o seu tempo
Um “clássico” texto da Bíblia Sagrada diz:
Para tudo há um momento
e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu:
tempo para nascer e tempo para morrer,
tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou,
tempo para matar e tempo para curar,
tempo para destruir e tempo para edificar,
tempo para chorar e tempo para rir,
tempo para se lamentar e tempo para dançar,
tempo para atirar pedras e tempo para as ajuntar,
tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço,
tempo para procurar e tempo para perder,
tempo para guardar e tempo para atirar fora,
tempo para rasgar e tempo para coser,
tempo para calar e tempo para falar,
tempo para amar e tempo para odiar,
tempo para guerra e tempo para paz.
Em Angola o tempo é para falar, o tempo é para a paz, tempo para livrar-nos do cancro do partidarismo e guiarmo-nos pelo paradigma do Desenvolvimento Humano onde, o importante são as oportunidades, ou “capacidades”, que cada um tem nos sectores-chave que vão desde o sector da vida, da saúde e da integridades física à liberdade política, à participação política e à educação; onde reconhece que todos os indivíduos possuem uma dignidade humana inalienável que deve ser respeitada pelas leis e pelas instituições. Porque um país decente reconhece, no mínimo, que os seus cidadãos possuem direitos nessas e noutras áreas e cria estratégias para fazer com que as pessoas fiquem acima do patamar mínimo de oportunidade em cada uma delas sem serem obrigadas a pertencer a este ou aquele partido.
Em Angola é também tempo de fugir da mentira e da inverdade. Não se pode construir nada sobre a mentira nem sobre a cinzas da mentira. É preciso renovar tudo, contando com todos conscientes de que democracia é movimento e que uma sociedade democrática pode sempre democratizar-se mais com uma sociedade que pauta a sua existência no primado da lei e tem um conjunto de regras aceites por todos que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões colectivas e com quais procedimentos.
O processo de democratizar a democracia é sempre passível de novos passos com um sistema político que exige dos cidadãos racionalidade e zelo para operar e controlar o sistema político e dar origem a um novo ordenamento social que seja capaz de igualizar direitos, proteger os “desiguais”, assegurar as liberdades civis a volta do princípio da liberdade individual compatível com a igual liberdade dos outros, apelando-se à sabedoria Bantu de uma existência colaborativa; uma sociedade que se entende como humanidade com os outros e onde dizer: “ eu sou porque você está aí” signifique de facto algo na política angolana e se traduza em generosidade, solidariedade, compaixão com os necessitados, e o desejo sincero de felicidade e harmonia entre os seres humanos e definitivamente esconjurar vitórias de Pirro da/na política angola.
Deus abençoe Angola!
Jornal o Kwanza